quarta-feira, 23 de julho de 2008

a participação política dos portugueses: principais obstáculos

“The best argument against democracy is a five-minute
conversation with the average voter”


Winston Churchill
A crise de participação política e o correspondente "adormecimento" da democracia são desafios actuais e importantes para o decisor politico. Todos os anos, estatísticas e estudos comprovam aquilo que é do conhecimento de todos: a apatia generalizada dos portugueses na participação política.
Neste primeiro "post" decidi fazer uma análise pessoal da visão do eleitor médio, procurando perceber quais são os obstáculos para a sua participação política. Esta análise resulta da observação de todos os dias, do que leio nos jornais, no que vejo no metro a caminho do trabalho e no que sinto das conversas de café. Procuram espelhar o cidadão médio, aquele para quem se destina as medidas politicas.
A enunciação não pretende carregar mais o pessimismo em torno do cidadão português. Pretende sim, através da sua sistematização e reconhecimento, servir de ponto de partida para opções políticas futuras em matéria de participação dos cidadãos.
A enunciação dessas caracteristicas está acompanhada de pequenas frases típicas dos portugueses que procuram reforçar a ideia subjacente.
(i) "Já tenho problemas que cheguem!" ( a preocupação com as condições económicas e sociais do dia-a-dia)
O avanço das democracias, da tecnologia e das relações sociais, trouxe um boom de preocupações e ocupações diárias. Em Portugal vive-se demasiado afixiado com problemas relativos do dia-a-dia. Com o pagamentos da água e da electricidade. Com o vencimento dos impostos e contribuições. Com a renda da casa e com as despesas da família. Com o trabalho e o salário. Com o desemprego e com a inflação nos bens de primeira necessidade. Com os problemas de heranças, separações ou conflitos familiares. Com o nascimento, crescimento e educação dos filhos. Com os familiares mais velhos, já em situação de doença ou de incapacidade. Com os bens a consumir, com a moda em vigor de acordo e com “modus vivendi” publicitários. Com a vida social dos outros e com as pequenas novelas do dia-a-dia. Em suma, o português é na generalidade um ser que carrega todos os dias o peso da sua sobrevivência, deixando pouco ou quase nenhum espaço para hetero-preocupações ou para o interesse no “bem-comum”. Essas matérias, ficam pois, irremediavelmente nas mãos de homens-doutos (professores, investigadores, interessados) ou nas mãos daqueles cujo dinheiro ou tempo, permite afastar por momentos a vida “comezinha” e dedicar-se à causa pública.
(ii) "gosto daquele político, fala bem e é bonito!" (o sentimentalismo latino)
Pela sua natureza latina o eleitor português projecta a sua intervenção política de uma forma apaixonada. São as pessoas, são os acontecimentos, são os eventos, são os aspectos mais banais da vida política que interessam. Não é o conteúdo, não é o fim a que se destinam as políticas, mas é o sentimento que provocam que o faz agir ou não agir. É uma regra da democracia portuguesa: aquilo que não toca no coração, não impele à participação. Basta atentar por exemplo, a países nórdicos ou de cultura anglo-saxónica para perceber a “frieza” como é vivido o fenómeno político, mais centrado nos reais e problemas sérios do que na parte mais exterior da movimentação política.
(iii) "vamos andando, contando os tostões..." (a acomodação à situação de segurança, justiça e bem-estar relativos)
Em geral, a sociedade portuguesa tem garantidos os mínimos relativos nas áreas de segurança, justiça e bem-estar. Há por isso um certo “adormecimento geracional”, quanto ao valor dessas conquistas milenares. E havendo essa pouca consciência histórica desses passos, há um correlativo desinteresse/indiferença, quanto à manutenção e evolução desses valores para a sua geração e para as gerações seguintes. Diria, usando uma expressão forte, que falta ao cidadão português desafios de valores, batalhas éticas, confrontos com os bens correntes garantidos. Há insegurança, mas não tanta que provoque manifestações, há injustiça mas não tanta que impele as pessoas a intervir na sociedade, há fome, mas não tanta que chegue “á porta de casa das pessoas” e lhes altere o correr do dia-a-dia. O cidadão médio português vive relativamente afligido, mediamente preocupado, mais ou menos consciente das injustiças. Vive no cinzento da ignorância da sociedade. Como refere Philippe Schmitter, professor do Instituto Universitário Europeu numa recente entrevista ao Diário de Notícias “seria melhor para o futuro da democracia que houvesse uma ameaça séria a esta, porque isso traria o ímpeto para a reforma da própria democracia”.
(iv) "estamos na cauda da Europa!" (pequenez geográfica interior)
Poderá parecer um pouco bizarra, esta constatação, mas parece-me haver uma clara correlação, entre a dimensão geográfica do país e o cidadão que nela vive. No fundo aquilo que o filósofo José Gil indica muito oportunamente como sendo o “síndroma de Liliputh”: “o português revê-se no pequeno, vive no pequeno, abriga-se e reconforta-se no pequeno: pequenos prazeres, pequenos amores, pequenas viagens, pequenas ideias (…), pequenos projectos (repulsa instintiva pelos projectos a médio e a longo prazo”. Toda esta pequenez provoca a não envolvência na dimensão da polis, da grandeza da cidade, do “overview”. Toda esta mediocridade geográfica é apenas uma ilusão de poder e um engano sobre a participação activa.

v) "alguém há-de fazer!" (a incapacidade de “inscrição”)
Refere o filósofo José Gil, que uma característica muito marcante da sociedade portuguesa e do seu cidadão médio é a incapacidade para inscrever, para deixar uma marca, para se envolver preenchendo o mundo que o rodeia com a sua presença: “Em Portugal nada acontece (…) nada se inscreve (…) na história ou na existência individual, na vida social ou no plano artístico”.
Este fenómeno, para o autor, resulta de um longo período de Estado Novo “que ensinou a irresponsabilidade, reduzindo-nos a crianças, crianças grandes, adultos infantilizados (…), recusando ao individuo a capacidade e a liberdade para se inscrever” (inscrever no sentido de “acção, afirmação, decisão, com as quais o individuo conquista a autonomia e sentido para a sua existência”). Resulta também de um clima interiorizado de “medo” como filho legítimo da prudência, o medo como hipertrofia que adormece a acção, o medo que inibe a criatividade e ambição, o medo como subavaliação das capacidades, o medo como incapacidade para suportar a realidade.
vi) "talvez dê!" (temperamento lusitano)
É um factor extremamente variável, este que agora apresento. Não é directamente uma causa da falta de participação política, mas quando existe resulta em extremo num cepticismo e num enclausuramento participativo. Resulta do temperamento lusitano. De características emocionais e racionais tipicamente portuguesas que desembocam na inacção. Falo do queixume, da lógica vitimista, falo do ressentimento com expressão tão evidente na inveja, falo da “chico-espertice” portuguesa, do “carapau de corrida”, do “nacional-porreirismo”. Falo da lógica da “fuga á lei” e à normatividade. Falo do oportunismo, da preguiça e do laxismo. Falo do provincianismo, falo do “parecer, mais do que do ser”. Enfim, de tudo o que desvirtua, desvia, desorienta e aparenta. De coisas naturais na génese humana, mas curiosamente mais frequentes na génese lusitana.

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