segunda-feira, 21 de julho de 2008

Cicatrizes do Abandono

Diariamente sair de casa a ouvir um filho agarrado ás pernas a dizer : “fica comigo” é terrível…
Imaginemos agora aquelas Mães que saiem de casa numa manhã e se despedem dos seus filhos, tendo no pensamento a incerteza de quando os voltarão a ver, a cheirar, a sentir….

Lembrei-me de 2 mulheres que eternamente estarão no meu coração…a Rosa e a Ivone…

A Rosa, minhota de corpo e alma, viúva, Mãe de 3 rapazes que, sozinha, um dia se viu sem jantar para os filhos e tomou a decisão….ir ter com a cunhada que vive em Luxemburgo e lhe garantiu arranjar um bom emprego.
Numa manhã lá foi ela…despediu-se dos três filhos e prometeu-lhes muitos brinquedos.
Todos os dias estes 3 irmãos jantam, andam na escola e têm brinquedos…mas não têm o beijo da noite…

A Ivone, Cabo-verdiana, que aos 24 anos também se viu sozinha, sem jantar para a sua família e nesse dia ganhou a coragem para partir….
Na manhã da partida, a filha mais nova da Ivone tinha 4 meses e ainda estava a ser amamentada. No mesmo dia a Ivone chegou a Portugal.

Estas decisões por amor e de Mães lutadoras têm consequências a longo prazo…
O aumento das separações, dos divórcios, da desintegração familiar deixou muitas Mães sós e sem meios para sustentar e criar os filhos.
Os baixos salários e o aumento do desemprego são outras das causas para a crescente migração feminina e com ela aumentam os problemas associados à falta das Mães junto dos filhos - as cicatrizes do abandono.
As Mães suportam a dor de abandonarem os seus filhos, lutam para trabalhar arduamente e enviar dinheiro e os filhos ficam com uma cicatriz emocional pois não compreendem. As Mães sentem frequentemente rejeição por parte dos filhos e estas relações ficam com danos por vezes irreparáveis.

Portugal, surgiu recentemente (em Fevereiro de 2008), num relatório da Comissão Europeia como o segundo País com maior risco de pobreza infantil, significa que uma em cada cinco crianças portuguesas está exposta ao risco da pobreza, o que faz de Portugal o País, a seguir à Polónia, onde as crianças são mais pobres ou correm maior risco.
A nossa taxa de pobreza é escandalosa e francamente pouco interessa se já foi pior (em relação a 2005 piorou!)…é péssima… e enganemo-nos a pensar que são números.
Cada dia que passa esta realidade transmite-se a uma geração e é essa geração que está em perigo todos os dias.

E, se a pobreza poderá não significar automaticamente risco para as crianças, há perigos evidentes: o abandono escolar, a menor disponibilidade dos Pais, a desestruturação familiar, a alimentação deficiente, etc.

A pobreza pode provocar o afastamento das famílias e muitas crianças correm o risco de ficar sem o beijo da noite.
Problemas de afecto geram consequências de difícil reparação.

Voltando à Ivone….
A filha mais nova sempre teve sérios problemas de saúde: de alimentação, crescimento (com 4 anos vestia roupa para crianças com 1 ano de idade), linguísticas, entre outros problemas.
Finalmente, quando a menina tinha 6 anos, Ivone conseguiu reunir condições para os filhos se juntarem a ela em Portugal.

Dois meninos deliciosos, hoje, têm o beijo da noite.

Conheci-os mal chegaram a Portugal no ano passado.

Encontrei-os a semana passada…. Não quis acreditar na mudança que 1 ano junto da Mãe provocou…estavam TODOS irreconhecíveis.
A Ivone extrovertida, o rapaz muito alegre e a menina….ENORME! Já não tem problemas de saúde, cresceu tanto que já está dentro dos parâmetros normais e é boa aluna!

Percebem as consequências?

(nota: os nomes referidos no texto são fictícios)


JMC
Movimento Esperança Portugal

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