quinta-feira, 24 de julho de 2008

A (IN)JUSTIÇA DAS NOVAS CUSTAS JUDICIAIS

Muito se tem escrito e falado nos últimos tempos sobre a Justiça, sendo tema corrente nos órgãos de comunicação social, designadamente na rádio, na televisão e jornais.

Por tudo e por nada, comentadores, jornalistas, políticos, juristas e até o comum do cidadão debatem o estado da Justiça em Portugal.

De facto, compreendo a preocupação.

Nunca a Justiça em Portugal viveu tempos tão conturbados, com o enorme atraso que se verifica nas pendências processuais, a ineficácia do sistema judicial em executar as decisões que profere, o sentimento de impunidade geral, a frequente mediatização dos processos e tantos outros males que não me parece necessário aqui referir, pois o diagnóstico há muito que está traçado.

Aqueles que trabalham diariamente nos tribunais e aqueles que a eles recorrem sabem bem o significado da chamada “crise da Justiça”.

Acredito seriamente que funcionando bem o sistema de Justiça é possível acabar com a “crise económica”, a “crise social”, a “crise de valores e princípios” ou a “crise de confiança” que os portugueses actualmente sentem.

É bom, por isso, que se discuta o estado da Justiça.

Os holofotes têm, todavia, sido dirigidos para os processos Casa Pia, Apito Dourado, Fátima Felgueiras, Bragaparques e caso Maddie, para citar alguns, e para questões que envolvem o segredo de justiça, as escutas telefónicas ou o mapa judiciário.

Raramente, nos artigos de opinião e nos debates, vejo discutir outros temas que também interessam à Justiça.

Julgo que seria útil trazer à discussão outros temas, aparentemente de menor importância, que são cruciais para um melhor funcionamento da Justiça, como é o caso das custas judiciais.

No dia 1 de Setembro de 2008 irá entrar em vigor o Decreto-lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro
, que aprova o regulamento das custas processuais.

Reconheço que o diploma vem introduzir melhorias que são de louvar relativamente ao regime anterior, como a diminuição do valor das custas no caso de serem usados meios electrónicos ou o tratamento diferenciado dos litigantes em massa, mas nem por isso posso deixar de reflectir sobre as implicações do mesmo no acesso à justiça e aos tribunais.

Compreendo o princípio do pagador utilizador e que através das custas judiciais se procure moralizar e racionalizar o recurso aos tribunais, mas as custas judiciais não podem de modo algum servir para financiar o Estado e muito menos para diminuir as garantias de quem necessita de recorrer ao sistema judicial.

Não é aceitável que através de taxas de justiça elevadas se procure dificultar os recursos e as acções de “especial complexidade”. A medida em si só contribui para que os que têm menores recursos financeiros fiquem prejudicados nos seus direitos de acção e defesa, já que os que podem com facilidade recorrer aos tribunais continuarão a litigar independentemente do valor que forem obrigados a pagar.

Também não é aceitável - e esse problema já resultava do anterior código das custas judiciais – que o valor cobrado pelos tribunais seja manifestamente desproporcionado em relação ao serviço prestado. Pergunto como é que uma simples cópia de um auto de inquirição que tenha apenas duas páginas pode custar doze euros?

O acesso à justiça e aos tribunais só será verdadeiramente universal se as custas dos processos não forem de tal forma elevadas e desproporcionadas que afastem do sistema aqueles que ainda assim têm alguns rendimentos para suportar custas, mas não podem beneficiar do apoio judiciário.


Compete ao Estado assegurar a todos, sem discriminação, o acesso ao direito e à Justiça com qualidade, organizando o serviço em função da procura.

Um regulamento de custas processuais diferente, mais justo e equilibrado, que não tivesse como principal objectivo a diminuição dos processos pendentes nos tribunais, ajudaria certamente a alcançar esse resultado.

Melhor era possível!

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