quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Esperança religiosa cristã e esperança política : possibilidades de diálogo sem indesejáveis confusões? (II)


















Ainda assim, muitos perguntarão, como ter/ser Esperança num mundo e numa sociedade onde no quotidiano abunda uma espécie de carrossel enlouquecido de desgraça e infelicidade, como que prestes a entrar na última viagem: fomes, guerras, catástrofes, o holocausto, o aquecimento global e a escassez de recursos e na literatura e no cinema, um cometa que se aproxima da Terra em rota de colisão….

Não será isto “sinal” de que o mundo e a civilização tal como o conhecemos não estará a chegar ao seu fim?

Não faltam profetas da desgraça, como sabemos, que vaticinam o fim dos tempos, do universo e da humanidade.

As angústias e tentações

Para além do “mistério” perante a incerteza do futuro, creio que o sentimento dominante é o medo de um amanhã que pode não nascer, e que está na origem de uma brutal ansiedade humana que convoca como forma de superação deste mal-estar a tentação do recurso à magia, à adivinhação, aos saberes ocultos e iniciáticos, a uma religiosidade difusa, uma multiplicidade de alienações que, no fundo, transformam a esperança num fatalismo insuperável.

Como a maioria de nós não possui acesso ao código (secreto) que contêm a suposta chave de leitura dos enigmas do mistério da existência humana, capaz de ler e revelar a verdade toda e plena, compreendo perfeitamente que, para muitos, o melhor talvez seja mesmo viver o hoje, sem nada esperar (de bom ou de mau) que aconteça, sem expectativas de qualquer espécie.


A finalidade das coisas, á procura de um sentido para o real


Então não será de perguntar se o fim deste estado de coisas caótico, do efémero, da dúvida, do contingente quotidiano de cada ser humano, terá um sentido que seja descortinável e aponte para algo que seja como que uma porta de saída no meio da escuridão em que está mergulhado o túnel da nossa existência?

Não temos uma resposta assente numa qualquer indiscutível evidência científica.

Apenas nos basta sermos confortados pela certeza essa sim real, de que há uma força interior, um impulso vital em cada um de nós, que nos leva a abrir portas e janelas, que nos faz caminhar para um encontro de todos com todos os que vivemos implicados na construção da cidade global que é nossa.

Não será essa a finalidade das coisas, a esperança? Esperar que as coisas cheguem ao seu fim, isto é, à sua finalidade, ao seu objectivo: no caso da fé cristã, ao encontro com Cristo, fonte de toda a Esperança; no caso, do Homem, na sua dimensão de “animal político”, empenho e compromisso na construção de uma cidade mais humana, mais justa e solidária, que não deixa ninguém para trás, numa palavra, uma cidade MELHOR.

O cristão é convidado a adoptar uma atitude de serena espera(nça) nesse encontro com o Transcendente encarnado na pessoa de Cristo, um “Reino dos Céus” que já veio e chegou, mas que não se consumou em plenitude( parusia), que conduz a que ninguém fique dispensado de estar vigilante ( «não sabeis o dia nem a hora») e preparado para responder ao encontro sem temores, porque a espera promete felicidade e não condenação, salvação e não inferno.

Melhor é sempre possível

E ao Homem- cidadão o que lhe resta esperar? Como a esperança se dirige a todos os cidadãos, a todos é pedido que convoquem de viva voz a assembleia de cidadãos para criar e/ou reforçar a coesão que dará a indispensável unidade à comunidade que se quer construir: a todos se pede que venham e tragam o que de melhor são capazes de fazer ao serviço da máxima realização da felicidade pessoal que nos leva novamente a acreditar, que vale a pena o compromisso pelo bem-comum, num movimento de solidariedade, numa resposta aos “sinais dos tempos” pois “Melhor é sempre possível”, desde que o queiramos com vontade e determinação e sejamos capazes de pôr os meios para alcançar tal desiderato.

Elemento comum da virtude (a força interior)

Creio que há aqui um elemento comum á esperança cristã e à esperança política que pode conduzir á construção de uma ponte comum de diálogo e compromisso: em ambos os casos a esperança apresenta-se como uma força interior que leva á acção e á transformação do mundo e da humanidade, porque se tem a consciência que vale a pena meter as mãos á obra em prol de um futuro melhor.

Criados para amar numa fraternidade universal, os cristãos depositam a sua Esperança no Amor, no encontro com Cristo; criados para construir a cidade da justiça e da solidariedade, os cidadãos aventuram-se, “militam”, comprometem-se em mudar a vida e transformar o mundo pacificamente, dando resposta ás angústias que os inquietam.


Uma possível síntese, sem confusões: uma sociedade da confiança

Talvez se possa aspirar a realizar uma síntese da politica com a mística, do militante e do contemplativo, superando a falsa dicotomia entre o «religioso-contemplativo”, e o “militante-comprometido”, pois só a autêntica contemplação leva ao outro, ao «próximo como absoluto», através do «outro-em si-mesmo», «Deus absoluto».

Tarefa difícil, sem dúvida, na acção quotidiana, contudo, afigura-se tão urgente quanto necessária, pois os mais frágeis, os mais pobres e os mais excluídos da civitas não podem mais ser deixados para trás.

Aventura espiritual e compromisso político, sem confusões, com motivações e finalidades diversas, mas até certo ponto convergentes - viver em comum, em paz e justiça, poder trilhar um caminho comum, numa sociedade pacífica e solidária que a todos convida a sentar á sua mesa.

È que, de facto, não há soluções, há caminhos, e como diz o poeta, o caminho se faz caminhando …. confiando uns nos outros, acrescentámos nós.

JMCM

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