quinta-feira, 11 de setembro de 2008

A Questão Energética e os Problemas Energéticos

por Nuno Ribeiro da Silva


Num momento em que os temas, directa e indirectamente, relacionados com a energia enchem as agendas políticas e as páginas dos “media”, optei por fazer um artigo, de carácter mais geral, que pretende sensibilizar para a enorme complexidade, o novelo, que é o tema energia. Parece-se importante dar nota deste labirinto de vasos comunicantes, face às frequentes análises, muito enviesadas, lineares, mesmo simplistas: é a questão energética.

Dois aspectos, para não ir mais longe, são responsáveis pelo facto de a energia ser algo complicado:

- Politicamente é um tema transversal;

- Tecnicamente e economicamente, existem muitos vasos comunicantes e “bypasses” entre os diversos vectores e tecnologias energéticas.

Como a energia está presente “em tudo”, ao mexer…mexe com tudo!

Para obtermos um bom serviço precisamos de um aparelho e de energia. É sempre assim:
  • Automóvel mais gasolina, gás natural, biocombustível ou electricidade, produz mobilidade;

  • Lâmpada mais electricidade, produz iluminação;

  • Casa com radiador/ar condicionado, activados por electricidade, gás, carvão ou derivados do petróleo, produz climatização e conforto na habitação;

  • Forno de cozinha mais gás, electricidade ou lenha, produz refeições;

  • Etc, etc, etc
Daqui decorre à evidência, a omnipresença da energia em todos os actos da nossa vida, em todos os “actos económicos”.

Os clássicos sectores da economia, nos países desenvolvidos, repartem de forma equilibrada o consumo final: quase um terço na agricultura e indústria, um terço em outros serviços e doméstico, um pouco mais de um terço nos serviços de transportes.

Só que as formas de energia finais requeridas pelos utilizadores, estão condicionadas às tecnologias (aos aparelhos) que se “instalaram” no mercado: o domínio nos transportes dos veículos movidos pela tecnologia do motor de explosão, elegem o petróleo e seus derivados como a forma de energia ideal para aqueles usos, representando cerca de 98% de toda a energia utilizada pelo sector. Maior diversidade verifica-se nas outras áreas do uso final.

Bom, é fácil entender o nervosismo dos cidadãos e de todos os agentes económicos quando se verificam mexidas nos preços ou rupturas físicas na “normal entrega” de energia final.

Se afecta os cidadãos eleitores e a economia, preocupa os governantes. Desde logo o ministro com a área da economia e finanças.

Como o andar da economia nas nossas sociedades “dá o tom” ao sucesso ou insucesso da governação, também preocupa o chefe do governo, todo o governo e o sistema político.

Os preços da incontornável energia afectam o índice de preços, a inflação, que reflecte na política monetária e, em particular, na taxa de juro, que impacta no preço do dinheiro, que reflecte no serviço da dívida de particulares e empresas, o que tem consequências na procura de bens e serviços pelos particulares e no investimento das empresas, com efeitos na procura, que, regredindo, provoca diminuição do emprego, etc, etc, etc.

Enfim, o habitual ciclo, agora ampliado pela globalização económica.

Para mais, os governos e os ministros das finanças “gostam muito da energia” por ela constituir, directa e indirectamente, a principal fonte de receita fiscal do estado, mesmo naqueles países – como o nosso – que importam em 85% a energia que consomem. O que dizer dos países produtores e exportadores de matérias-primas energéticas, onde o PIB acenta esmagadoramente naqueles bens: Rússia, países do Médio Oriente, Venezuela, Angola, Nigéria, Gabão, Irão, países do Cáucaso, México, o próprio Canadá, o carvão na Colômbia, na África do Sul e Austrália, futuramente o Brasil com o petróleo, só para citar alguns?

Mas, se a energia interage com a economia, de múltiplas formas, estando historicamente instalada no seu centro motor, também interage com outras dimensões da nossa vida.


Veja-se o caso do meio ambiente e qualidade de vida, na acepção mais geral.

O ambiente e a energia tornaram-se duas faces da mesma moeda. Nenhum “processo” energético, desde a sua “produção”até ao seu uso final é neutro sob o ponto de vista ambiental.

Esses chamados impactes, vão do nível global – alterações climáticas – ao regional – as emissões de uma refinaria ou central térmica, um derrame de um petroleiro ou o impacte de uma mina de carvão – até ao nível local – concentração de gases de escape numa rua, passagem de linhas eléctricas, ou instalações de depósitos de combustível.

Conseguir instalar qualquer infraestruturas energética – aerogeradores, cabos e tubos, refinarias – tornou-se um drama, que encarece o sistema energético e o torna menos seguro, para responder ás necessidades e ás inevitáveis falhas que ocorram.

Enfim, “a energia” também é incontornável no ordenamento do território, na questão ambiental e da qualidade de vida, no desenvolvimento regional, no nosso dia a dia, na rua, na envolvente da casa ou do local de trabalho. Isto envolve muitos políticos, do governo central, ás autoridades regionais e eleitos locais.

E, nos planos das relações externas, negócios estrangeiros, diplomacia económica e defesa?

Não é de hoje que as fontes de energia são o motivo central de conflitos militares. Diz-se que não há guerra no século XX que não tenha o cheiro a sangue, pólvora e a crude. Temos o exemplo recente do Iraque.

Para além do controle de reservas energéticas, também o dinheiro dos royalties do petróleo e do gás natural, em países não democráticos e belicistas, está a alimentar tensões e conflitos:

- Veja-se o que se passou em Angola e no Iraque de Saddam;

- O que se passa hoje com o Irão, a Rússia, a Venezuela, os financiamentos ao terrorismo islâmico, entre outros.

As agendas dos grandes “fora” internacionais – UE, G8, OCDE, ASEAN – estão “repletas de energia”.

As agendas das cimeiras bilaterais são movidas por temas energéticos, desde a França que vai pelo Mundo vender reactores nucleares em troca de petróleo e gás, à China que fornece “ajuda” aos biliões por paga em energia primária, à UE que “poupa” a Rússia no Cáucaso pensando na sua dependência em gás natural.

A China apoia os países “marginais” à comunidade internacional – Irão, Sudão, Kampuchea – em troca do acesso a matérias-primas energéticas.

Vislumbra-se uma “internacional” contra o Ocidente, esmagadoramente importador, de países “novos ricos” de energia – Irão, Rússia, Venezuela, Angola, Líbia, países da Ásia Central, Equador, Bolívia.

Os políticos descobrem amizade e empatias de ocasião com gente pouco recomendável na Venezuela, Líbia ou Angola…

A “realpolitik” lança-se atrás dos petrodólares e gasodólares com …grande energia!

Sem dúvida que o mundo seria diferente se as fontes de energia a que recorremos, fossem mais abundantes e /ou tivéssemos tecnologias mais inteligentes para chegar à energia útil.

Paradoxalmente, a energia é o que há de mais abundante no planeta: a física diz-nos que tudo é energia ou, dizendo de outra forma, podemos obter energia de qualquer composto ou elemento.

É evidente a lacuna tecnológica para dominarmos soluções que nos permitam cortar com fieiras tecnológicas – da energia primária à energia útil – absolutamente primitivas e insustentáveis: exemplo gritante é o “nosso” automóvel, apenas movido a petróleo, com um rendimento idêntico ao primeiro Ford T de há cem anos e que por determinismo das leis da física, das “100 unidades de energia” contidas no crude, desperdiçamos 86 e aproveitamos 14!

Daí que não seja de estranhar que a maior parcela de investimento, público e privado, dirigido a ID&D tenha por denominador comum a energia.

Mesmo contando com as fontes a que hoje recorremos – fósseis, nuclear e renováveis – dispomos de pouca flexibilidade tecnológica, vivemos num conformismo tecnológico, que nos retira graus de liberdade para recorrer ao “switching” na energização dos equipamentos a que nos habituamos.

Certo que existem limites que nos são impostos pelas leis da química e da física, mas é possível ir muito mais além na possibilidade de adaptar a procura aos constrangimentos crescentes que vêm do lado da oferta.

Também paradoxal é do facto de, perante um tema crucial para a sociedade e para as nossas vidas, os governos e os políticos – mesmos os que juram fidelidade aos grandes princípios da economia de mercado – resistirem aos sinais decorrentes do jogo da oferta e da procura, incluindo a internalização dos efeitos ambientais – e tentarem adiar o confronto com a realidade.

Subsidiar ou atrasar o pagamento dos custos da energia pelos utilizadores finais, é um péssimo serviço que se presta para conseguirmos sair do perigoso beco em que nos encontramos, quer na óptica da paz, quer da sustentabilidade.

Sem os consumidores conhecerem os custos associados à energia que consomem, não haverá estimulo e motivação para procurar mais e novas formas de energia e inovação tecnológica nos equipamentos, que usamos para a transformar em bens e serviços, úteis ao nosso dia-a-dia.

O medo da “verdade dos preços”, esquece os custos crescentes com a defesa, a tensão internacional, a degradação do ambiente e repassa para gerações futuras um agravo pela cobardia em perder as eleições de hoje.

É o que se passa com o subsídio generalizado aos combustíveis na Ásia, em África e América Latina, ou no acumular de colossais deficites, a pagar no futuro, por as tarifas da electricidade não reflectirem os custos, como acontece em Portugal e Espanha.

Com esta ilusão, como pretendem que os consumidores sejam levados a investir na conservação de energia, ou os produtores a procurarem novas fontes e novas respostas técnicas?

Espantosa é a leviandade com que “homens de estado” dizem que em ano de eleições “não se pode mexer” nos preços da energia! Com a verdade nos enganamos…

Não tenhamos qualquer ilusão, a ultrapassagem – que será sempre desconfortável, mesmo dolorosa – das actuais tensões criadas pela questão energética – nos planos nacional e internacional – só é possível pela gestão responsável de políticas de verdade no que respeita aos preços, associados a políticas fiscais que transmitam os sinais correctos, em paralelo com um enorme esforço de investigação, desenvolvimento tecnológico e investimento em infraestruturas.
A energia tem, vai subir de preço relativamente a outros “pacotes” de bens e serviços que consumimos. Isto devido a razões de oferta /procura, do colossal investimento em novas infraestruturas associadas a uma gradual mudança de paradigma e à necessidade de a tornar menos nociva, sob o ponto de vista ambiental.

Dizia Hoover, “benditos são os jovens porque irão arcar com a herança da divida nacional…”

Naturalmente, irão pagar mais, mas, cabe-nos evitar hoje a sobrecarga de uma herança explosiva de tensões político-militares e de dívida sufocante.

Nuno Ribeiro da Silva
Setembro 2008

2 comentários:

Rui MCB disse...

Belíssimo artigo. Tomarei a liberdade de o difundir também no Economia & Finanças, mais logo.
'http://economiafinancas.com'

Ângelo Ferreira disse...

Farei o mesmo em abertasociedade.blogspot.com/