quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Tempos e timings


Estávamos em 1970. Nas estradas, milhares de portugueses entregavam horas a fio à condução, quer por entre labirínticas peregrinações automóveis, quer percorrendo obrigatoriamente todas as localidades, sedes de concelho e capitais de distrito, que mediavam os pontos de chegada e de partida. Na EN 16 por exemplo, para percorrer os 160 km que ligavam Aveiro até Vilar Formoso (principal fronteira terrestre entre Portugal e Espanha) eram precisas 6 entediantes horas para além de toda a arte e engenho para superar troços de montanha, curvas perigosas e vales congestionados que serviam de cemitérios vivos e local de luto para muitas famílias. A insegurança, o perigo e a impaciência geravam uma desconcertante inquietação social a que o poder político não dava resposta.
Em 1985 a primeira resposta apareceu. Sob o desígnio de um novo Plano Rodoviário Nacional criou-se um nova obra, então considerada como sendo “emblemática” e promotora de desenvolvimento para o país. De obra emblemática, rapidamente, o IP5 passou a ser conhecida pelos seus erros de construção, pelas curvas perigosas e pela sua faixa única que em nada contribuía para o descongestionamento do trânsito. De obra impulsionadora do crescimento da nação, o IP5 transformou-se numa estrada perigosa, considerada em 2000, a 3ª estrada mais perigosa do mundo. De serviço público passou a empecilho social.
Foram necessários 30 anos para que a decisão política correspondesse de uma forma plena à necessidade geral. Com a construção da A25, alargou-se de uma para três faixas, evitou-se curvas perigosas e diminui-se drasticamente o número de acidentes, vítimas e sofrimento. Pelo meio ficaram muitas correcções, erros, custos, mortes e sofrimento. No fim de tudo, ninguém sabe efectivamente “a quem” serviu a decisão política.

Decidir é muito mais do que uma resposta simples e eficaz a um problema. Decidir é muito mais do que um serviço ou até a construção de uma obra emblemática. Decidir é tudo menos resultado de pressões ou até de necessidades imediatas. Decidir não é escolher aquilo que já todos pensavam ser necessário. Decidir não é uma escolha que se rectifica, corrige ou se apaga sucessivamente, mas uma opção por “fazer bem á primeira”.
Tal como em 1970, hoje o país clama por ínumeras necessidades. Mas nem todas precisam de resposta ou até de uma resposta imediata. Precisam sim, de boas respostas, tomadas em serenidade e consciência, através do amadurecimento que só vem do decorrer do tempo.
Fazer política, exercitar o serviço público, fazer crescer um país anda muito longe do imediatismo, do voluntarismo pressionado e da resposta a infusões sociais que o mundo de hoje nos tenta impingir. A magia da política é ver mais para além do óbvio. É construir uma A25 quando outros apenas pensam numa IP5.
Bernardo Cunha Ferreira

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