A história do nosso país, com eventuais momentos de excepção, mostra uma enorme tendência para o centralismo governamental. O facto é que muitos dos nossos políticos (nossos concidadãos) até podem prometer o contrário em eleições, porém, como em muitos outros assuntos, quando se chega ao poder, e se veste o fato de governante, a conversa é outra.
Mesmo que nem sempre o digam, a principal razão por que tal acontece reside no facto de se achar o “povo” incapaz de se governar, incapaz de decidir, de escolher. Mais, é por considerarem os políticos locais indignos de certo poder. Dizem que há riscos, que há corrupção, que há favores, que há cunhas, que há isto e aquilo.
Assim, será legítimo concluir que a província, depois da sua eleição para os lugares cimeiros da governação nacional, ficou desprovida de inteligência e seriedade?
É muito estranho que se utilize a desconfiança generalizada sobre hipotético comportamento dos políticos locais para limitar o país a Lisboa, concentrando grande parte das decisões que nos dizem respeito, com total desconhecimento das diferentes realidades, sem qualquer proximidade com as pessoas que são alvo do prolixo trabalho de gabinete.
A transferência de poderes e competências para as Câmaras Municipais e outras estruturas regionais deve ocorrer com a máxima profundidade possível. Será uma marca de maturidade e aprofundamento da nossa democracia. O poder deve estar, tanto quanto possível, junto das próprias pessoas.
Os abusos do poder local, assim como dos tronos de Lisboa, deverão ser tratados pela inspecção, pela polícia e pela justiça, não deixando no ar este sentimento de que a impunidade é lei em Portugal. É simples, ninguém está acima da lei. Ou será que os abusos do poder central justificam a entrega da governação a Espanha?
Apesar da tradição histórica, não creio que esta mentalidade seja genética, um acontecimento com origem matemática no big bang, um fado. É possível melhor e é urgente mudar.
O Sr. Presidente da República lançou um enorme e valioso desafio aos autarcas, instando-os a aceitarem maiores responsabilidades no sector da educação. Oxalá seja um sinal de mudança. Deseja-se é que não apareça a outra face da moeda do centralismo: alguns políticos locais, sabe-se lá porquê, enjeitam certas competências. É evidente que a transferência de poderes e competências, de Lisboa para os municípios, não poderá ser feita divorciada dos respectivos meios. Sejamos sérios.
A transferência da educação para os municípios é apenas um primeiro passo para acabar de vez com o nefasto centralismo e dirigismo Estatal no sector e rasgar, como diz o livro do Prof. Joaquim Azevedo, “avenidas de liberdade”.
O caminho do futuro está nessa capacidade de confiar nas pessoas, nas suas capacidades, no seu empenho pessoal em favor de uma vida melhor, na liberdade geradora de responsabilidade e criatividade.
Como sabemos, desde o Marquês de Pombal, a educação tem sido utilizada centralmente com o intuito de transformar a sociedade à imagem dos desejos do poder vigente. Se esse uso foi mais grave na I República e no Estado Novo, ele ainda persiste. Há sempre quem encontre uma justificação bondosa para limitar a nossa liberdade. E logo aparece alguém que sabe, melhor do que nós, o que é bom para nós.
Para as elites políticas, e não só, só sabemos fazer escolhas no momento de votar. Para esse nobre acto já temos direito a carta de alforria, já somos confiáveis.
(publicado no jornal Diário de Aveiro de 16/09/2008)
Sem comentários:
Enviar um comentário