sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Um Olhar sobre a Pobreza, a propósito de um livro (com o mesmo título) de Alfredo Bruto da Costa.



Há 8 anos atrás – recordo agora - tomei parte numa radical experiência: uma peregrinação. E em regime de mendicância, explicaram-me na altura. Inscrevi-me, pois, para ver o que era. A aventura começou num domingo de Agosto na cidade de Bolonha, e com fim no domingo seguinte em Florença; o destino era Roma, onde decorriam as Jornadas Mundiais da Juventude. Éramos um grupo de 70 pessoas de varias idades, maioritariamente jovens, e de varias nacionalidades, liderados por uma austríaca. Numa espécie da banca de depositantes mais ou menos improvisada, pediram-nos que entregássemos os nossos haveres, dinheiro e meios de pagamento a pessoas de confiança e assim fizemos. Só deveríamos levar connosco uma pequena mochila e algumas peças de vestuário e saco-cama, e tudo não deveria exceder 10% do peso do corpo. Não teríamos equipa de apoio logístico e alojamento reservado ou garantido em lugar algum. Instruídos no conhecimento das regras do “contrato de peregrinação mendicante” e depois de uma viajem de comboio de Milão a Florença, pusemo-nos a caminho . O que se pedia a cada um dos sub grupos de romeiros mendicantes em que nos subdividimos? Que pedissem comida, água, pão, fruta, sobras, enfim, o que as pessoas quisessem dar, para depois ser partilhado pelo grupo dos 70, em refeições comuns, meia hora após o peditório. Na memória ficaram-me gravadas as dúvidas e hesitações iniciais. Ninguém do meu subgrupo falava italiano; em que língua nos vamos dirigir aos italianos? Serão que nos irão entender? E se, mesmo assim, as pessoas não quiserem dar nada? Paciência, voltaríamos de mãos vazias para junto do grupo! Resignado avancei para a primeira missão. E logo surgiu na primeira pizzaria que estava aberta, a primeira negativa: «senza dinario, no, solo pagare». No entanto, pese embora a dificuldade (humildade) em pedir alimentos e alojamento, o certo é que a generosidade dos italianos era real,; entretanto, crescia a sentido de fraternidade e de partilha do grupo, e de cada um dos peregrinos; recordo em especial aquele dia, em que alguém foi pedir comida a uma aldeia mais distante pois na que ficáramos não havida nada, e puro milagre, já muito tarde, apareceu uma santa alma com um magnifico repasto para todos, e logo no dia seguinte, sol posto, lá voltara junto da casa onde dormíramos ao relento, com um daqueles pequenos-almoços que ninguém esquece. Ah, e o que dizer daquela comunidade de aldeões isolados nas suas pequenas casas de montanha que nos ofereceram em demonstração da sua espontânea hospitalidade um jantar tradicional carregado de pasta e, imagine-se, café, luxo de que nos priváramos há já alguns dias. Menos desconfiadas que os citadinos, as pessoas das localidades mais do interior, do campo, eram em regra mais generosas e amigas de dar: pedintes de pés descalços, ou turistas espertalhões armados em peregrinos, creio que deveria este o que perpassava no olhar de alguns. E isso era o que custava mais: dizer que não éramos uma fraude, dizer que éramos verdadeiramente peregrinos (noi siamo pellegrini) a caminho de Roma e que não tínhamos dinheiro (non haviamo dinario), que era uma provação voluntária com um sentido e significado: abandono e confiança nos outros e para os crentes, confiança na Providência. O que aprendi? Fazer-se pobre é incomparavelmente mais fácil do que ser-se pobre. Viver na pobreza é bem mais difícil do que viver em “voto temporário” de pobreza. O que mais custou? Alguns nãos, o desviar de olhar de alguns, ou o olhar desconfiado de algumas pessoas. Talvez seja isso que mais dói aos pobres: o não olhar nos olhos, mesmo na hora do gesto mais ou menos espontâneo da esmola.

Vem tudo isto a propósito de um livro: “ Um olhar sobre a Pobreza”, de Alfredo Bruto da Costa. Um estudo transformado em livro, que analisa a pobreza e põe em evidência que a pobreza, enquanto problema estrutural da sociedade portuguesa, exige soluções que dependem não apenas de políticas sociais, certamente indispensáveis, mas também da política económica.
E, não poderia deixar de referir a notável iniciativa que através da petição dirigida á Assembleia da República a Comissão Nacional Justiça e Paz (http://cnjp.ecclesia.pt) tem vindo a realizar em torno do reconhecimento da Pobreza como uma grave negação dos direitos humanos fundamentais e das condições necessárias ao exercício da cidadania, situação que reputa de eticamente condenável, politicamente inaceitável e cientificamente injustificável.
Com efeito, como se diz e bem naquela petição, a pobreza e exclusão têm causas estruturais e, por isso, não se resolvem apenas com sobras ou gestos de generosidade esporádica.

Cont.


JMCM

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