Tinha já finalizado a prova, o 40º atleta quando o comentador do canal, pelo qual seguia a prova da maratona, afirmou sobre a chegada daqueles atletas: “…estes corredores já sem qualquer sonho na sua participação …”. Achei aquilo disparatado. Tenho quase a certeza de que quem se prepara, durante anos, para correr 42km tem de ser guiado por algum sonho nomeadamente o da ambição da superação das suas próprias capacidades.
Confesso-me admirador de há muito dos Jogos Olímpicos mas irrita-me esta excessiva direcção dos holofotes apenas para os lugares medalhados. Aliás, em Portugal, a aliança entre esse enfoque exagerado e o fado lusitano deu origem às fases extremas de desilusão – na 1ª semana tudo corria pelo pior e os atletas portugueses em prova eram uma vergonha nacional – que começou a modificar-se com o resultado alcançado por Vanessa Fernandes e originou a euforia com os saltos de ouro de Nelson Évora.
Este sentimentalismo português turva-nos a vista. Não conseguimos relativizar nem os insucessos nem os sucessos. Insucessos causados, por exemplo, pelo azar que bateu às portas de Naíde Gomes e Obikwelu. Que julgamos egoisticamente, como se o céu só desabasse nas nossas cabeças. Que dirão, por exemplo, os americanos das suas equipas de velocistas (masculina e feminina e mais do que favoritas ao topo do podium) que, por más transmissões dos testemunhos, sucumbiram na estafeta 4 x 100m? Os dias não de um atleta não nos devem fazer esquecer o seu muito trabalho, esforço e dedicação até porque os deuses dos estádios por vezes também têm os seus infortúnios.
Temos obviamente de aprender com os erros cometidos. Relativamente à comitiva portuguesa faltou, talvez, alguma dignidade de alguns atletas na forma como assumiram a representação do país embora neste ponto tenhamos todos alguma culpa por apenas nos lembrarmos do desporto na sua globalidade de 4 em 4 anos…e quando nos lembramos exigimos logo o impossível, criticando exageradamente quem não sobe ao podium como se esses lugares dependessem apenas da sorte… Esquecemo-nos que, para ter bons resultados, é necessário ter uma estrelinha de sorte, mas sobretudo visão, planeamento, estratégia, investimento presentes nas equipas técnicas que rodearam os nossos medalhados deste ano. Precisamos de uma política diferente que cuide seriamente do desporto em Portugal.
Tendo em consideração o apoio (ou falta dele?) que é dado à maioria dos atletas fiquei contente com bastantes resultados alcançados. Do velejador Gustavo Lima e do seu brilhante 4º lugar. Do 8º lugar (e novo recorde nacional) de Ana Cabecinha nos 20km marcha e de Vera Santos que ficou em 10º na mesma prova. Do 11º lugar (e novo recorde nacional) de António Pereira nos 50km marcha e 40º de Augusto Cardoso na mesma prova . São resultados memoráveis. António Pereira é electricista de construção civil e treina depois de 8 horas de trabalho. Tal como Augusto Cardoso, pintor de gruas e ao qual a empresa pagou 2 meses de ordenado para poder realizar um estágio. Não revelamos nós, enquanto sociedade, a nossa menoridade, por não os apoiarmos condignamente? Felizmente estes atletas são daquela estirpe que teima em alcançar os seus objectivos. Com aquele ar de satisfação ao cortarem a meta alguém pode afirmar que o sonho não comanda as suas vidas?
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A 7 de Setembro começam os Jogos Paraolímpicos. Recentemente a SIC transmitiu uma reportagem* sobre 3 dos nossos atletas, daqueles que têm a tenacidade dos que nunca desistem. Em Pequim o velocista Carlos Lopes participará pela 5ª vez nos Jogos. Susana Barroso, nadadora que, por motivos de saúde, abandonou a modalidade mas que o espírito competitivo não afastou das competições, estrea-se em Pequm no boccia. E Carlos Pereira, 1º cavaleiro português em equitação adaptada a participar numas Olimpíadas (Atenas 2004) e que este ano não participará porque não conseguiu o necessário apoio para arranjar um cavalo. (pausa para reflectir…) Espero que o futuro Comité Paraolímpico de Portugal tenha como um dos seus objectivos impedir que estes casos se repitam.
*Pode ser encontrada a partir do 8º minuto do ficheiro "Jornal da Noite (2º parte) 23-08" no sítio da SIC em http://sic.aeiou.pt/online/video/informacao/
quinta-feira, 28 de agosto de 2008
os deuses menores do olimpo
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Desporto,
Jogos Olímpicos,
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