O actual momento em Portugal é difícil, muito difícil. Não o será para todos, é certo, e é preciso reconhecer que vivemos muito melhor, em regra, do que os nossos pais. Mas isso começa a ser uma espécie de prémio de consolação, pois todos sabemos o quanto devíamos estar melhor. No entanto, afastamo-nos cada vez mais dos nossos parceiros europeus, e somos ultrapassados pelos recém-chegados ao clube europeu. Será motivo para desesperar? Não, antes para acreditar e lutar, mas com os pés assentes no chão.
O que não podemos é deixar-nos levar pelas aparências ou ir em facilitismos. O problema é sério e não tem solução fácil nem milagrosa. Depende de todos. E não basta o discurso do “Portugal positivo” – é preciso acompanhar com a prática do “trabalho positivo”. Devemos cultivar a esperança e fundá-la no esforço, no trabalho dedicado, na educação, no rigor, na justiça para todos, na igualdade de oportunidades, na exigência, na solidariedade.
Vivemos uma espécie de embriaguez, teimando em não acordar, talvez com receio da ressaca, que, no entanto, se vai apoderando do nosso dia-a-dia.
Não nos deixemos levar pelas aparências, porque em muitos casos é disso mesmo que se trata, de pura aparência, com muita gente a gastar acima das reais possibilidades, a viver irresponsável e perigosamente de créditos para tudo e para nada, até para umas “férias aspirina”, que escondam a agonia. Vidas que são castelos de açúcar, frágeis, próximos da derrocada em cada fim de mês, quando é preciso cruzar as contas com a folha de vencimento. Tudo isto com o beneplácito e até o estímulo de governos irresponsáveis, que gostam de vender sonhos ao desbarato ou de torturar as estatísticas a seu favor.
Por outro lado, são assustadoras as dificuldades dos mais frágeis, como os idosos, que tantas vezes sofrem em silêncio, abandonados pelos seus, pela comunidade e pelo Estado, com reformas baixas, medicamentos caros, solidão. É a falta de perspectivas dos jovens, dos menos qualificados da Europa, incapazes de se integrarem num mundo globalizado e de economia aberta e competitiva. Mas é também o desemprego de milhares de licenciados, que o mercado não integra. Todos conhecemos certamente jovens (e menos jovens) que não vêem outra solução que não a de emigrar, e recomeçam a trilhar o caminho do êxodo já visto noutros tempos – o que não tinha mal nenhum não fosse o que representa de desespero.
Temos alimentado um Estado que se tornou generalizadamente assistencialista, promovendo uma cultura de direitos sem deveres, perdendo a essencial capacidade de criar igualdade de oportunidades e acudir a quem realmente mais precisa. Um Estado protector e intervencionista, tornando-se paternalista, tornando-nos dependentes, incapacitando-nos, impedindo que asseguremos o nosso futuro com base nas nossas capacidades, no nosso trabalho. Um Estado que sorve os nossos recursos de forma preocupante e ineficiente, capturado tantas vezes por grupos de interesses, anulando a nossa capacidade de iniciativa e de criar riqueza.
É urgente construir uma sociedade de confiança, que nos faça voltar a acreditar nas nossas capacidades e nos estimule a tomar em mãos o curso do nosso destino. Isso só poderá ser feito acabando com o Estado centralista que temos, que invade as nossas vidas e decide por nós. É primordial descentralizar, tornar as decisões mais próximas dos seus interessados directos, apelando à sua capacidade criativa e inovadora, exigindo o seu empenho e a sua responsabilização.
Temos todas as condições para acreditar nos portugueses e num futuro melhor, desde que sejamos capazes de enfrentar a realidade e de criar um ambiente de liberdade e responsabilidade.
Não tenhamos dúvidas, a nossa maior riqueza são os portugueses. Para que Portugal possa vencer, a Educação é determinante, sendo o sector onde a liberdade e a descentralização são mais necessárias, confiando na sua inteligência, no seu trabalho, na sua criatividade.
Temos um sistema educativo centralista, desenhado por iluminados ao mais ínfimo pormenor, que julgam saber melhor do que todos o que é melhor para cada um. Um sistema onde o Estado é fornecedor monopolista e ineficiente, sem deixar autonomia real às escolas e liberdade de escolha aos cidadãos.
Sob a capa da inclusão e igualdade, é igualitarista e elitista, acabando a nivelar por baixo, impedindo a criação de verdadeiras oportunidades de sucesso, especialmente para os mais pobres, que na maior parte das vezes são reiteradamente condenados aos lugares do fundo da sala de aula e da sociedade.
Precisamos de liberdade para voltar a acreditar.
Ângelo Ferreira
Imagem: Promenade. Marc Chagall. 1917. Óleo s/ tela, 170x163.5. The Russian Museum, St.Petersburg.
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