segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Sócrates e os animais





















Socrates de Constantin Brancusi




Conta-se que Sócrates, o filósofo, incapaz de ter uma ideia, fazia perguntas. Os amigos, os discípulos e os admiradores de Sócrates eram unânimes em considerar que o seu “dom” estava na sua capacidade de distinguir, um ovo galado de menstruação de galinha, o embrião de uma ideia fértil de material de compostagem. Por isso Sócrates se concebia como parteiro de ideias. Da mesma maneira que as velhas parteiras de Atenas, já incapazes de procriar, ajudavam as mulheres férteis a dar à luz, Sócrates ajudava os seus concidadãos a parir ideias.

Mas além de parteiro Sócrates aplicava a si próprio os símiles de moscardo e raia eléctrica. Moscardo porque picando acordava os seus concidadãos da letargia e do torpor em que se encontravam, raia eléctrica porque as suas descargas imobilizaram muitas vezes os cidadãos de Atenas. Estas duas funções tão paradoxais e representadas por animais tão diversos na sua natureza e forma, dão que pensar. Acordar o outro parece ser uma condição lógica para que uma ideia se produza nele, mas porquê imobilizá-lo de seguida com um choque que também imobiliza o próprio ser que o produz?

Talvez Sócrates se referisse à necessidade de “desligar” os sentidos e “parar” o pensamento como forma de conhecimento. Como poderemos sabê-lo? O que sabemos, ainda que incertamente através de Platão e Xenofonte, é que Sócrates - moscardo, parteiro e raia eléctrica - talvez acreditasse que nenhuma ideia fértil jamais sairia de um sujeito cujo discurso se constituísse de lugares comuns, pré-juízos e “opiniões”. Isto mesmo nos diz Platão no Sofista. Estaria ele pensando em Sócrates? Talvez Sócrates recomendasse, qual médico dos espíritos, que nenhum trabalho de parto de ideias se iniciasse sem uma boa purga de preconceitos. Quem sabe?

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