segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

António Alçada Baptista (1927-2008)

Hoje é um dia muito triste: morreu António Alçada Baptista, o "escritor dos afectos", como ele próprio se definia. Para além de tudo o que era nele de admirar, como escritor de rara sensibilidade e humanismo e de profunda e interpelante espiritualidade e religiosidade; para além da sua personalidade serena e afável e do papel do sábio e culto conversador e do notável cronista, cujas aparições televisivas ou leitura semanal constituíam oportunidades de enorme prazer intelectual; para além do papel extraordinário que, como católico empenhado e audaz - líder de um grupo de católicos inconformados com a injustiça do Portugal de então -, teve nos anos 60 à frente de "O Tempo e o Modo" e da Editora Moraes; para além da importância que teve, nos primeiros anos após o 25/4, na tentativa de implantação de um partido verdadeiramente "democrata cristão", sempre comprometido com os Direitos Humanos, a Democracia e a Liberdade; o que gostaria de destacar mais é a sua visão da política e do poder, muito diferente da que é comum. Dizia frequentemente nos seus livros que a forma como o Poder é exercido, no nosso país e no mundo, só mudaria radicalmente quando nele passasse a prevalecer uma "visão feminina" do mundo. Também nessa matéria ele fazia salientar a "sensibilidade feminina" com que se auto-caracterizava.
Não pensava necessariamente na questão da maior participação das mulheres na política (embora as coisas tivessem forçosamente que passar também por aí), mas sim numa visão da política diferente da mera luta do poder pelo poder: em que a lógica da construção fosse superior à do confronto; em que a sensibilidade à vida concreta das pessoas e dos seus problemas fosse mais aquela que é típica das mulheres do que a dos homens; em que a procura do Bem Comum se sobrepusesse à lógica sectária; em que as questões da Paz e dos Direitos Humanos não se sacrificassem tanto à lógica dos interesses geoestratégicos. Era, neste sentido, um profundo pacifista e idealista (tendo contado em vários escritos o quanto o impressionaram os encontros com Lanza del Vasto, discípulo de Gandhi), e faz muita falta a Portugal.
Quero acreditar que, de alguma forma, o caminho que o MEP está a tentar traçar tem também algo a ver com esta nova visão, "feminina", do Mundo e do Poder.


(via Atlântico)

Entrevista com Carlos Vaz Marques, TSF, 2/7/2003

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