terça-feira, 23 de dezembro de 2008

"Mensagem de Natal" de uma Judia Alemã

"Entregues a si mesmos, os negócio humanos só podem seguir a lei da mortalidade, que é a única lei segura de uma vida limitada entre o nascimento e a morte. O que interfere com essa lei é a faculdade de agir, uma vez que interrompe o curso inexorável e automático da vida quotidiana que, por sua vez,(...) interrompe e interfere com o ciclo do processo da vida biológica.

Fluindo na direcção da morte, a vida do homem arrastaria consigo, inevitávelmente, todas as coisas humanas para a ruína e a destruição, se não fosse a faculdade humana de interrompê-las e iniciar algo de novo, faculdade inerente à acção como perene advertência de que os homens, embora devam morrer, não nascem para morrer mas para começar. No entanto, assim como, do ponto de vista da natureza, o movimento rectilíneo da vida do homem entre o nascimento e a morte parece constituir um desvio peculiar da lei natural comum do movimento cíclico, também a acção, do ponto de vista dos processos automáticos que aparentemente determinam a trajectória do mundo, parece um milagre. Na linguagem da ciência natural, é "o infinitamente improvável que ocorre regularmente".

A acção é, de facto, a unica faculdade milagrosa que o homem possui, como Jesus de Nazaré (...) deve ter sabido muito bem ao comparar o poder de perdoar com o poder mais geral de operar milagres, colocando ambos ao mesmo nível e ao alcance do homem.



"O milagre que salva o mundo, a esfera dos negócios humanos, da sua ruína normal e "natural" é, em última análise, o facto do nascimento, na qual a faculdade de agir se radica ontológicamente. Por outras palavras, é o nascimento de novos seres humanos e o novo começo a acção de que são capazes em virtude de terem nascido. Só o pleno exercício dessa capacidade pode conferir aos negócios humanos fé e esperança, as duas características essencias da existência humana(...) Esta fé e esta esperança no mundo talvez nunca tenham sido expressas de modo tão sucinto e glorioso como nas breves palavras com que os Evangelhos anunciaram a "boa nova": "Nasceu uma criança entre nós"."

Hannah Arendt em "A Condição Humana"

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