sexta-feira, 22 de maio de 2009

Os genes, a Cármen Miranda e a política

Portugal vive uma crise difícil de ultrapassar, decorrente, é certo, da crise económica internacional, mas também muito devido a problemas internos, nossos. E, quando digo nossos, digo de todos, do Estado nas suas múltiplas vertentes, das empresas, das instituições, das famílias, dos indivíduos. Isto é, todos temos, para lá das condições externas, responsabilidades na situação interna que vivemos.

Dito isto, haverá alguma fatalidade que nos condene a um determinado destino? Não. Portugal, um dos países mais antigos do mundo, com oitocentos anos de uma grandiosa história, feita de sucessos e insucessos, vale a pena e tem futuro. O nosso fado é, todos os dias, uma canção com versos por escrever.

Pensava nisto, esta manhã, não por causa de uma reflexão muito profunda, mas antes com base em coisas muito simples. Ouvia na rádio os habituais diagnósticos da difícil situação económica, com as críticas daqueles que procuram apontar os erros, as pedras no caminho, como dizia o poeta, e, assim, indicar implicitamente os esforços necessários. O tom mais derrotista, a evitar, porque não constrói, logo foi aligeirado pela música alegre de Cármen Miranda, comemorando os 100 anos do nascimento, em Marco de Canaveses, dessa cantora luso-brasileira que teve enorme sucesso internacional. Claro que, por mais alegre que seja a sua música, a nossa difícil situação não muda. Mas a sua história serve de ponto de partida para mostrar que não há nada nos nossos genes que nos condene ao insucesso.

São muitos os portugueses que constroem casos de sucesso por esse mundo fora, e também por cá, nas mais variadas e exigentes áreas, vencendo todas as dificuldades. O rol é enorme e não cabe nestas páginas. Cito alguns para ilustrar: o filósofo Espinosa, o médico cientista António Damásio e o atleta Nélson Évora.

Espinosa, um judeu português, teve de fugir num período difícil da nossa história, a par com muitos judeus perseguidos que foram por essa Europa. Alguns deles, por exemplo, foram para a Holanda e daí para a América do Norte, tendo ajudado a fundar a cidade de Nova Amesterdão, que mais tarde se veio a chamar Nova Iorque, e contribuído de forma determinante para o desenvolvimento económico dos EUA. A sinagoga mais antiga dos Estados Unidos foi fundada por judeus sefarditas, de origem portuguesa. Impressionante, não é?

António Damásio formou-se em Portugal, doutorou-se na América e por lá ficou, sendo hoje um dos maiores vultos mundiais na sua área de conhecimento. A sua investigação tem dado inestimáveis contributos para o conhecimento do cérebro humano e das emoções.

Nélson Évora é um atleta de eleição, tendo sido recentemente campeão olímpico do triplo salto, para orgulho de todos nós.

Alguns genes expulsos, alguns genes exportados e alguns genes importados fazem a grandeza de ser português, dependendo do ambiente em que se expressam e da força anímica de quem os possui. Também os Descobrimentos, essa empresa que deu mundos ao mundo e fez a primeira globalização, foram feitos por gente diversa, nascidos ou não em Portugal, mas num ambiente ambicioso de concretização. E tudo o que de grandioso se foi construindo ficou a dever-se não apenas aos vultos mais conhecidos, mas a uma enorme multidão de anónimos, de múltiplas origens genéticas, culturais e religiosas. É assim a nossa história, a nossa vocação.

Se todos acreditarmos que podemos fazer a diferença, nos mais pequenos gestos, criando o correcto ambiente de liberdade (criativa), de responsabilidade (que não atira para terceiros a culpa) e de solidariedade (que acolhe e não deixa ninguém para trás), venceremos.

Portugal tem futuro e vale a pena. Saibamos todos fazer o pequeno/grande gesto de mudança que está ao nosso alcance.

Num programa de televisão esta semana, dizia o professor Adriano Moreira que a capacidade continua cá e o que é preciso é mobilizar os portugueses. Foi por isso que aderi ao Movimento Esperança Portugal, projecto político que acredita nesta visão. É também aí, apesar do momento difícil, de desgaste e desertificação, que podemos ajudar a construir um Portugal melhor.

Como diz o provérbio chinês, lembrado pelo professor, «Há três coisas na vida que nunca voltam atrás: a flecha lançada, a palavra pronunciada e a oportunidade perdida».

Ângelo Ferreira

Publicado no Diário de Aveiro de 20/05/2009

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