sexta-feira, 4 de abril de 2008

“O sonho continua”

“O sonho continua”
Entrevista a Rui Marques a propósito do 40º aniversário da morte de Martin Luther King


Há 40 anos Martin Luther King era assassinado, deixando no entanto, um sonho que se tornou eterno. Um sonho de um mundo perfeito, onde existe um entendimento entre raças, culturas e etnias. Desde há 40 anos será que este sonho ganhou contornos de realidade?

RM: Muito se andou, desde então, para concretizar a utopia. O Mundo está muito diferente - para melhor – mas longe ainda da perfeição. E, enquanto utopia e sonho, a herança de Luther King continua a ser uma inspiração para quem acredita num mundo mais justo e mais solidário.

O sonho de Luther King será apenas uma utopia, ou será algo que poderá ser alcançado?

RM: Como qualquer utopia, pode ir sendo alcançada, mas nunca realizada. Há que valorizar as pequenas conquistas que se consolidam, os pequenos passos que fazem o caminho.

Em Portugal existe esse sonho?

É evidente que sim. Creio mesmo que, pelo menos em potência, existe no coração de cada Homem.

Portugal vive presentemente um cenário crescente de misturas culturais. Depois das culturas africanas que criaram raízes em Portugal, seguem-se agora os imigrantes de Leste. As minorias continuam a enfrentar barreiras na sociedade? Quais são as principais barreiras?

No essencial, as barreiras decorrem dos desafios de integração e de plena cidadania, quer por bloqueios da sociedade de acolhimento, quer por dificuldades dos imigrantes e minorias étnicas. A promoção da igualdade entre todos os cidadãos – portugueses ou estrangeiros - prevista constitucionalmente tem ainda imperfeições no acesso ao trabalho, à saúde, à educação, à protecção social e ao exercício de direitos cívicos. Mas também é verdade que essas imperfeições, na igualdade efectiva de direitos, existem também dentro da “maioria” e não só em relação às minorias. Há, por isso, que fazer este combate pela igualdade de direitos e de deveres, de oportunidades e de lugar para todos e cada um. Por outro lado, a gestão deste princípio de igualdade e integração deve respeitar a diversidade étnico-cultural, por forma a não obrigar a uma assimilação e “normalização”. Pelo contrário, fomentar o diálogo entre perspectivas diferentes é uma vocação de uma sociedade multicultural e multi-étnica. Assim, promover a integração, respeitando a diversidade é um desafio complexo, mas irrecusável numa sociedade de matriz humanista.

Será que Portugal está a saber lidar com o facto de se ter tornado em tão pouco tempo um país "importador" de estrangeiros, quando durante muitos anos viu tantos portugueses passarem fronteiras em busca de um sonho?

Como qualquer outra comunidade, precisa de um tempo de aprendizagem e de adaptação. Tem, no entanto, a vantagem – e a exigência ética – de poder transferir a sua experiência de emigração, nomeadamente das suas reivindicações e anseios nos países de destino, para as regras que agora deve administrar como país de acolhimento de imigrantes.

O que pode mudar algumas mentes?

A consciência de que, apesar das diferenças, somos todos iguais.

O racismo continua a ser um problema que afecta várias culturas existentes no país. Porquê o ódio por outra raça ou cultura?

Acima de tudo, por causa do medo e da ignorância. São estes os motores da agressividade. Há, por isso, que os dissipar promovendo pontes de diálogo e construção de afectos.

A lei trabalha para evitar que estes casos se sucedam. E em termos humanos, o que há a mudar?

Bastaria que cada um de nós se conseguisse colocar no lugar do “outro”, procurando sentir o que o “outro” sente e o que deseja, para que todo o acolhimento ao “outro” melhorasse.

Que comparações é possível fazer entre os EUA de 1968 e Portugal de 2008 nestas questões?

O Mundo mudou tanto, que quase nenhumas,.... a não ser a permanência de uma sociedade que está longe de ser perfeita e o desafio permanente a cada um de nós para que a torne mais justa e mais humana.

Luther King foi determinante para um repensar da sociedade norte-americana. Mas nos EUA sucedem-se os casos de racismo. Será esta uma luta sem fim?

É uma luta muito mais próxima do fim, depois de Luther King e dos que, como ele, acreditam que o mundo pode ser melhor.

Quando estará cumprido o sonho?

Como o Homem nunca será perfeito e as sociedades que constrói permanecerão com marcas de injustiça, provavelmente os objectivos nunca serão plenamente cumpridos. Mas podem ir sendo cumpridos...

É necessário um Martin Luther King em Portugal, para que algumas consciências sejam despertadas?

A voz dos Profetas –como Luther King ou Gandhi – continuará a ecoar na história da humanidade, despertando e mobilizando razões e corações para a justiça. Mais do que esperar um Profeta, compete-nos a cada um de nós, ir sendo, nos pequenos-grandes gestos da vida quotidiana, um despertador de consciências... desde logo, da nossa.

E, inspirado em Luther King, qual é o sonho do MEP?

Um mundo em que amemos tanto o “outro” quanto o “eu” e em que não haja “eles”: só “nós”.

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