terça-feira, 17 de junho de 2008

Essa coisa das palavras...

João Miguel Tavares no DN

"São só palavras, dizem eles. Barack Obama é só garganta, dizem eles. E este "eles" não são americanos vidrados em George W. Bush. Estes "eles" são muito nossos: gente da inteligentzia nacional, literata, experimentada, calejada e que, basicamente, não vai em cantigas. Pacheco Pereira acha que Obama é só paleio. António Barreto desconfia que Obama é só paleio. E eu vejo-me acompanhado de Mário Soares - o homem com quem na última década mais vezes devo ter estado em desacordo - a defender as qualidades do senhor. E, se me permitem, a deixar esta simples pergunta: mas desde quando é que a política deixou de ser sobre palavras, discursos e capacidade de persuasão?

Já Platão e Aristóteles se entretiveram a encher pilhas de livros sobre a importância da retórica no espaço público e como ela está na base da própria ideia de democracia. E no entanto, de repente, parece que o pensamento tecnocrático tomou conta de tudo, e que para muita gente respeitável a política deixou de ser "a" política para se transformar numa espécie de gestão, mais ou menos técnica, da coisa pública. Mas que pobreza. Querer reduzir os méritos de um político à qualidade do seu programa é como avaliar a beleza de uma pessoa só com base nas suas medidas. Da mesma forma que um 86-60--86 não faz uma mulher necessariamente bonita, um belíssimo programa eleitoral não faz obrigatoriamente um bom Governo.

Ajuda? Claro que ajuda. Mas quando se fala de Obama e do seu génio enquanto orador, é extraordinário que se encolha os ombros e se diga "bah, aquilo é só conversa". É evidente que a conversa não chega - e, justiça lhe seja feita, a forma como ganhou as primárias e planeou a campanha revela um profissionalismo extraordinário -, mas no dia em que os discursos inspiradores não valerem de nada, no dia em que um homem que consegue arrastar milhões de jovens até às urnas for apenas "folclore", é porque o melhor da política se perdeu."

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