domingo, 16 de dezembro de 2007

Empresa portuguesa produz solução informática para o alargamento do Espaço Schengen


(Correio da Manhã, 15/12/2007)

Quando tudo parecia perdido para abolir as fronteiras nos novos Estados Membros (EM) da União Europeia (EU), devido a um atraso no desenvolvimento de um programa informático, uma empresa portuguesa descobriu a solução. Em poucos meses, a Critical Software criou uma plataforma informática para adaptar os programas de controlo de cada país ao Sistema de Informação de Schengen (SIS I) e para tornar possível a livre circulação de pessoas, já a partir de sexta-feira, dia 21.


Foi um trabalho complexo e exigente, feito num ambiente descontraído, em que um colaborador pode estar embrenhado no computador a decifrar códigos encriptados durante horas, mas também tem a liberdade para interromper o trabalho e ir dar uma volta de bicicleta, jogar uma partida de snooker ou entregar-se à leitura de um livro num dos vários pufes espalhados pela área de lazer da empresa.

O convite partiu do então ministro da Administração Interna, António Costa, e foi prontamente aceite pelos administradores da Critical Software.

Em Setembro de 2006, a Comissão Europeia informou que seria tecnicamente impossível ter o SIS II em funcionamento antes de meados de 2008, o que inviabilizava a entrada no Espaço Schengen de nove dos novos EM, antes de 2009. Percebendo que a questão lhe ia rebentar nas mãos em pleno exercício da Presidência da UE, o Governo português socorreu-se da engenharia portuguesa para encontrar uma solução. E o resultado está à vista. Depois de vários meses de trabalho intenso, o primeiro-ministro José Sócrates vai poder sorrir nas cerimónias que estão marcadas para assinalar mais uma abertura de fronteiras entre países comunitários.

O meio que permitirá atingir este fim chama-se Sisone4all e é totalmente Made in Portugal. Partindo do SIS I, criado na década de 90, a empresa com sede na zona industrial de Taveiro, em Coimbra, desenvolveu um programa tecnologicamente mais evoluído, que permite adaptar as bases de dados dos países pertencentes ao Espaço Schengen, dando-lhes capacidade para incluir os novos aderentes – Estónia, Hungria, Letónia, Lituânia, Malta, Polónia, República Checa, Eslováquia e Eslovénia. A Suíça, embora não pertença à UE, decidiu aproveitar este programa para entrar também no sistema de fronteiras abertas, em Março de 2008.

Para aderirem ao Espaço Schengen, os países candidatos tiveram de cumprir uma série de requisitos no âmbito da cooperação policial, protecção de dados e atribuição de vistos. E a integração de todos estes dados no actual sistema de controlo só foi possível através da solução informática portuguesa.

“Fizemos um estudo de viabilidade com a colaboração do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) que demonstrou a validade da solução técnica encontrada e permitiu que fosse aprovada nas instâncias internacionais competentes. A partir dai montámos uma equipa de projecto multidisciplinar com objectivos muito bem definidos e totalmente focada na implementação das novas soluções tecnológicas. A plataforma foi instalada num mês”, explica Filipe Freitas, gestor da área de negócio da Critical Software.

Ao resolverem um problema, com “a ajuda preciosa da diplomacia portuguesa”, os engenheiros portugueses aproveitaram igualmente para dotar os sistemas com plataformas mais modernas, ambientes de trabalho simples e práticos.

A Critical Software nasceu em 1998, fruto do inconformismo de três génios informáticos, que queriam mais do que fazer carreira no Ensino Universitário. Nos intervalos do doutoramento, João Carreira, Gonçalo Quadros e Diamantino Costa idealizaram a empresa.

“Sendo a internet um meio cada vez mais evidente no suporte de muitos negócios, onde os meios de informação não podem falhar, pareceu-nos uma boa oportunidade de negócio. Queríamos constituir-nos como projecto de referência da engenharia portuguesa à escala global, estar perto dos principais eixos universitários e vencer barreiras em nichos de mercado específicos com produtos de excelência”, recorda Gonçalo Quadros, director-geral (CEO) da sociedade.

Com os objectivos definidos, tentaram um financiamento na Banca. E apanharam a primeira desilusão. Quem os atendeu deu-lhes um conselho insólito, em vez do desejado empréstimo: “Vocês podem dar excelentes professores universitários, por isso, não se metam nisso”, disse, na ocasião, o bancário. O vaticínio não podia estar mais errado.

A constituição da empresa foi mesmo para a frente e os primeiros a reparar nas qualidades dos empreendedores portugueses foram os responsáveis da NASA, ao adquirirem um programa (Xception) para simulação de falhas graves. Hoje, é considerada uma das empresas europeias de mais rápido crescimento. A facturação esperada para este ano é de 14 milhões de euros. A fórmula do sucesso assenta em seis pilares essenciais: “Ambição, autoconfiança, criatividade, conhecimento, credibilidade e muita humildade”. “É quase como na alta competição. Podemos ter o melhor físico, mas se não tivermos a melhor alma não conseguiremos vencer”, adianta o director-geral da empresa.

Para conquistar estes resultados, além da visão estratégica da administração que reinveste os lucros no desenvolvimento pessoal dos quadros e na investigação, foi feita uma aposta muito grande no grau de satisfação dos Recursos Humanos.

As equipas estão distribuídas por ‘ilhas’, constituídas por meia dúzia de secretárias, separadas por estantes abertas. O ambiente é de absoluta tranquilidade. As conversas são em voz baixa. Os papéis quase não existem, apenas os computadores e alguns objectos pessoais, tais como fotografias de família, plantas bonsai ou um porquinho mealheiro para depositar as multas instituídas dentro das próprias equipas.

Os colaboradores, formados em Engenharia Informática, têm liberdade para gerir o seu horário. O importante é cumprir os objectivos traçados pela administração. Já não é tão importante a forma como o fazem, pois o bem-estar psicológico é meio caminho andado para os elevados índices de criatividade. Podem interromper o trabalho para tomar um chá, comer uma peça de fruta fresca, que todos os dias é distribuída pelas salas, dar um passeio em bicicletas disponibilizadas pela empresa ou distrair no espaço de lazer. Ali, têm à disposição uma mesa de snoocker, mesa de ping-pong, matraquilhos, um alvo com setas, pufes e um saco de treino para boxe, com as respectivas luvas.

“Há uma preocupação constante em manter o grau de satisfação dos colaboradores elevado”, conta Olga Costa, gestora de Recursos Humanos.

Apesar da juventude, a Critical Software tem o caminho bem defi-nido: quer continuar a resolver problemas difíceis e entrar na Primeira Liga Europeia das empresas de base tecnológica.

PERFIL

A Critical Software SA foi fundada em 1998 por três doutorados em Informática. Tem sede na Zona Industrial do Taveiro, em Coimbra, e Centros de Engenharia em Lisboa e Porto. As subsidiárias ficam em San José (EUA), Southampton (Reino Unido) e Bucareste (Roménia). O quadro de pessoal é composto por duas centenas de funcionários. A média de idades ronda os 28 anos. Em 2006, registou um volume de negócios de 8 milhões de euros (75% provenientes do estrangeiro). Este ano, a previsão aponta para 14 milhões de euros de facturação. O investimento no estímulo ao crescimento, desenvolvimento pessoal e investigação e desenvolvimento (ID) é de 12% do volume de vendas. Foi a primeira empresa portuguesa a ser certificada pelo Software Engineering Institute (EUA) com o nível de Maturidade 3 do Capability Maturity Model Integration. Director-geral: Gonçalo Quadros.

"SOU UM ESCRAVO DO COMPUTADOR

Anda num Ford Mondeo com muitos anos, preocupa-se com a imagem apenas por questões empresariais e não larga o computador. O director-geral da Critical Software, Gonçalo Quadros, lidera uma equipa que transforma inteligência real em inteligência artificial e procura manter o equilíbrio entre o formalismo necessário aos grandes negócios e o informalismo natural dos ambientes mais criativos. “A ideia é desenvolver um ambiente irreverente. Mas se não houver formalismo, as ideias não têm consequência”. Consciente de que a velocidade da informação é hoje um trunfo essencial, o gestor tornou-se “escravo do computador”. “O tempo de decisão é tão crítico que não posso estar muito tempo distante do computador. Entre um café e um pastel de nata, descarrego meia dúzia de e-mails”, adianta. Para Gonçalo Quadros, a plataforma Sisone4all é uma espécie de Ovo de Colombo: “É algo que nos orgulha porque ajuda a melhorar o Mundo”.

O responsável defende que “atrás de uma ameaça está sempre uma oportunidade” e não abdica dos critérios de rigor, qualidade e seriedade como bandeiras da empresa. “Mais do que desenvolver tecnologias, queremos resolver os problemas dos nossos clientes”, assegura.

RIGOR TÉCNICO NA GESTÃO

“A Critical veio trazer uma lufada de ar fresco ao mercado, pela capacidade de apresentar projectos e de os cumprir. Preocupamo-nos com o rigor na gestão técnica e na abordagem aos mercados”, refere Filipe Freitas, gestor da área de negócio. A empresa tem salas com informação classificada onde só entra um reduzido número de colaboradores. Nas restantes áreas, o trabalho e a concentração também são essenciais, mas vive-se mais num “caos organizado”, explica o responsável.

CENTENAS DE CANDIDATOS

Os colaboradores da empresa sentem-se uns felizardos. Fazem o que gostam e ainda têm direito a uma série de ‘vitamínicos’ laborais. “Sinto-me uma privilegiada”, diz Verónica Marin, uma engenheira informática de 25 anos, natural da Roménia, impressionada “com a qualidade do trabalho e do profissionalismo”. Ricardo Maia, 32 anos, um dos primeiros a entrar nos quadros, reforça esta ideia: “É um projecto aliciante, desenvolvido num ambiente de muita cumplicidade”. Assim se compreende que todos os meses entrem nos Recursos Humanos mais de 300 candidaturas.

'CAIXA MÁGICA' POUPA COMUNICAÇÕES

O aparelho multifuncional Edgebox, destinado a simplificar a utilização dos meios de comunicação nas Pequenas e Médias Empresas, é a nova coqueluche da Critical Software para conquistar o mercado de massas a nível internacional. O equipamento foi desenvolvido por um spin-off da empresa – a Critical Links – contou com o apoio da Agência de Inovação e já foi distinguido com o prémio ‘Convergence Product of the Year’, atribuído por um portal britânico aos profissionais de Tecnologias de Informação. O segredo do novo aparelho consiste em garantir uma gestão mais fácil e económica das redes de comunicações das empresas, através de software inovador. A ferramenta contém VoIP (chamadas telefónicas pela internet), acesso wireless, antivírus, antispam, firewall, servidor de e-mail, web, file e print server, conexão ao ISP e acesso à intranet, entre outros. Do conjunto de produtos desenvolvidos pela Critical, destaca-se também o Xception, uma tecnologia centrada no teste e certificação de software ultracrítico e na validação/avaliação da confiabilidade, que tem sido muito requisitada pelas principais agências espaciais.

CAÇA AOS CIENTISTAS NACIONAIS


A criação de medidas para promover o regresso dos investigadores portugueses às empresas nacionais e atrair cientistas estrangeiros para leccionar nas nossas universidades foram dois dos objectivos traçados pelo Governo no Plano Tecnológico – Portugal a Inovar (PT-PI). Através da Bolsa de Emprego Científico, dinamizada pela Agência de Inovação (Adi – DegrauCientífico), foram colocados doutores e mestres em mais de 350 projectos desenvolvidos por empresas portuguesas. A ideia é prosseguir com o projecto. A Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) irá lançar um programa para a criação de 50 cátedras convidadas em universidades e instituições de investigação, até 2009, visando a contribuição dos investigadores para o desenvolvimento do Ensino Superior e da Ciência em Portugal. Adicionalmente, foi facilitado o acolhimento de imigrantes de alto nível científico e está prevista a contratação pelas instituições nacionais de docentes e investigadores de referência internacional, designados por Professorships.

PROJECTOS

ELEIÇÕES

Depois do apagão no sítio do STAPE na noite das últimas eleições autárquicas, em Outubro de 2005, a Critical Software foi chamada a trabalhar no processamento de resultados do Referendo ao Aborto, eleições regionais da Madeira e eleições para a Câmara de Lisboa.

INVENÇÃO

O nome para a plataforma que vai permitir a integração dos novos membros no Espaço Schengen (Sisone4all) foi inventado pelo secretário de Estado Adjunto da Administração Interna, José Magalhães. Sugere que é um programa para benefício de todos.

ATRASO

A conclusão do novo Sistema de Informação de Schengen (SIS II) está atrasada. A versão tecnológica (que não tem a participação da Critical) devia ter entrado em funcionamento em meados deste ano, depois de um adiamento do prazo em 17 meses. Mas só deve ficar pronta em meados do próximo ano.

DESCONTRAIR PARA PENSAR

Os jogos como os matraquilhos ou o bilhar são duas das ofertas da empresa aos seus colaboradores, que assim podem usufruir de momentos descontraídos que acabam, na medida certa, por os ajudar a pensar melhor.

Francisco Pedro

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