Comemorou-se recentemente o 25 de Abril como o dia da liberdade, momento em que Portugal se livrou de uma ditadura e abriu portas a uma democracia liberal, embora, na verdade, apenas com o 25 de Novembro de 1975 tal tivesse ficado efectivamente assegurado, colocando-se uma primeira pedra sobre uma deriva totalitária de sinal contrário ao antigo regime. Muitos dos seus defensores continuam hoje na ribalta política, depois de uma mudança de “sexo” ou simplesmente travestidos de democratas.
Para muitos dos “donos” do 25 de Abril, que então tomaram as cadeiras do poder e delas fizeram sofás para a vida, a democracia e a liberdade são apenas boas quando produzem os resultados que desejam. Assim, com as devidas distâncias, um pouco ao jeito de Hugo Chavez, esse grande democrata que, tendo perdido um referendo que lhe permitiria perpetuar-se no poder, “reconheceu” a derrota apelidando o resultado de, e peço desculpa pela citação, uma vitória “de mierda”.
Talvez do mesmo tivessem tido medo os nossos políticos quando nos rejeitaram a possibilidade de votar em referendo o Tratado de Lisboa. São os mesmos que agora apelam ao voto nas eleições europeias, confiantes de que delas não sairá nenhuma vitória menos asseada.
Se os méritos de Abril ou Novembro são inquestionáveis, nem tudo o que é bom se fica a dever-lhes, nem tudo o que era muito mau acabou. 35 anos depois, grande parte da população não se entusiasma com a celebração, nem acredita muito nela. Não culpemos as pessoas. Há razões para isso acontecer, que não isentam ninguém, muito menos a classe política.
Numa sondagem recente ficámos a saber que 77% dos portugueses concorda que são cada vez mais aqueles que não se revêem nos partidos políticos, que não acreditam na política partidária. Para 72,4% a política partidária move-se por interesses próprios, em vez do bem comum, do país. 78,1% concorda que são necessárias candidaturas independentes ao parlamento. Quanto aos direitos e liberdades menos respeitados, 23,1% dos inquiridos referem a Saúde, 22,3% a Justiça e 15% a Educação – porque será?
Além disto é preciso olhar com atenção para os seguintes resultados: 39,6% defendem o reforço dos poderes do Presidente da República, sendo que 81% consideram que deveria nomear para os altos cargos públicos, 73,3% que deveria nomear para as entidades reguladoras, 66,3% que deveria intervir na definição de políticas económicas e 71,3% na definição da política externa, 76,5% que deveria ter uma maior intervenção nas questões de defesa e segurança, 70% que o direito de veto deveria ser reforçado e 80,8% que deveria ter um papel mais importante no combate à corrupção! Mais uma vez, porque será?
Num país em que o Estado se agigantou logo na Assembleia Constituinte, e que consome hoje mais de 50% da riqueza produzida – e este valor é real, não provém de nenhuma sondagem -, a imbecilidade galopante retira do baú a varinha mágica da nacionalização do “aparelho produtivo” (economia) e do paternalismo estatal sobre as liberdades (e deveres) fundamentais. E está aí um dos maiores problemas: apesar da consciência de que o “monstro” falhou, a crise veio acentuar os “brandos costumes” e acelerar esta tendência para, sempre à espera de D. Sebastião, se trocar facilmente a liberdade e a responsabilidade pela falsa e reiterada promessa de pão fácil.
Muito ao arrepio do que diz a sondagem e o bom senso, os novos arautos da estatização das nossas vidas, saudosos do PREC, consideram que o Homem falha no uso da liberdade, mas não falhará aos comandos do Estado e dos seus tentáculos.
A grande questão, pós Abril, está em saber que Estado proporcionará o melhor do Homem numa sociedade verdadeiramente livre, se aquele que requer mais individualismo (não é o mesmo que egoísmo), que responsabilize cada um de nós pelo nosso futuro, individual e colectivo, ou se aquele que centraliza numa elite, em nome de uma maioria ausente, e da desconfiança, uma inexorável mediocridade.
Num Estado que, apesar do enorme dispêndio de recursos, falha logo nos seus atributos básicos (Segurança e Justiça), não pode deixar de ser uma suprema ironia a reinvenção da máxima de Salazar: “tudo pelo Estado, nada contra o Estado”.
Ângelo Ferreira
Publicado no jornal Diáro de Aveiro de 28/04/2009
2 comentários:
Excelente artigo. A questão, é saber se realmente é este o sistema que melhor defende os valores que representam Portugal, e que o país necessita.
A minha opinião é que não. A forma como o poder político tem sido exercido - pelo menos desde que acompanho estas temáticas - é, a meu ver, ultrajante. Temos sido governados não para o povo, mas apesar do povo. Quem queira contribuir para o exercício da democracia tem uma escolha curiosa: ou, enfiar-se em partidos políticos que exigem mundos e fundos - falo por experiência, se não própria, próxima o suficiente para saber que não quero tal para mim - trabalho duro para os caciques locais ou regionais, que permitam ser apadrinhado até uma posição razoável na hierarquia; ou, em alternativa, ser uma figura mediática, o que com algumas figuras retóricas e sempre com subserviência ao poder já instalado, permite o sempre necessário endorso do partido.
A participação democrática a independentes - e, a pequenos partidos - encontra-se severamente limitada, o que é inaceitável.
Outra coisa profundamente errada - a meu ver, claro está - é a tão falada disciplina de voto na Assembleia da República. Quase que se pode dizer que ouçamos o que quer que seja em campanha, mal o nosso voto esteja no poder do senhor deputado, ele se transforma num receptor-transmissor, não das necessidades de quem vota nele mas sim de quem manda no partido.
Este é o estado do Estado.
E isto explica em grande parte os resultados expressos no artigo. Os portugueses, que mal ou bem sempre vão sentido que as coisas não vão bem, viram-se para (apesar de tudo) a unica figura que tem resistido aos conluios partidários - O Presidente da República. É, apesar de tudo, um caminho perigoso, e nem me parece que seja o melhor, nem sequer necessário...
Ps: Peço desculpa pelo comentário longo...
Longo quanto necessário e interessante, por isso lho agradeço muito.
Seja bem-vindo a este espaço.
Um abraço.
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