A Educação, muito para além da escolaridade, é, antes de mais, responsabilidade da família. Porém, há hoje muitos equívocos em torno desta afirmação aparentemente consensual. Todos, professores, responsáveis políticos, e até os pais parecem dizer o mesmo. O problema é que, na prática, ninguém o quer assumir na plenitude das suas responsabilidades e consequências. Vejamos.
O Estado, em Portugal desde o Marquês de Pombal, com a expulsão dos jesuítas, quis assumir a educação dos cidadãos, à sua maneira, de acordo com os regimes que foram passando. O regime salazarista terá sido o mais ardente a fazer uso dessa ”poderosa arma”, para ir além do ensino das ciências, tecnologias e artes, “moldando” as almas e as consciências. Ora, nenhum Estado tem esse direito, de desenhar hegemonicamente, centralizadamente, as nossas cabeças. É por isso mesmo que a nossa actual Constituição, assim como a Declaração Universal de Direitos Humanos, consagra como direitos fundamentais a liberdade de aprender e de ensinar, dando aos pais (ou legais tutores) a primazia na escolha do projecto pedagógico que querem para os filhos. Isso obriga a que eles possam fazer escolhas, nomeadamente entre escolas, em vez de verem os filhos colocados na escola estatal da sua residência pelo próprio Estado, sem alternativa, a não ser que tenham dinheiro para pagar uma escola privada ou se sirvam de expedientes que todos conhecemos, como a indicação de uma residência falsa, para poderem fazer a matrícula numa estatal melhor ou numa particular com contrato de associação.
O Estado devia permitir a escolha livre da escola dentro de uma Rede de Serviço Público de Educação, onde entrassem escolas estatais, mas também do sector privado e cooperativo. Para isso era necessário que as escolas aderentes cumprissem certos requisitos mínimos, como a não segregação e a não selecção de alunos. Neste modelo o Estado não discriminaria as escolas em função do seu estatuto jurídico. Assim, alunos (pais) com menos recursos financeiros teriam direito a escolher uma escola que julgassem servi-los melhor, em vez de estarem “agarrados” à que lhes saiu em sorte com a casa.
Um modelo de liberdade na Educação exige um regime de forte autonomia das escolas (pedagógica, administrativa e financeira), especialmente das estatais, para que fiquem, de uma vez por todas, livres do centralismo do Ministério. Exige um currículo nacional mínimo, deixando-se larga margem para a criatividade, inovação, diversidade e adequação a desafios de âmbito local ou regional. Exige a possibilidade de sã concorrência pelos alunos, entre as escolas aderentes. Assim, exige a contratação directa de professores, para concretizar o projecto pedagógico desejado (e também a exclusão dos professores que não sirvam ao projecto, naturalmente). Exige a gestão autónoma de um orçamento anual.
Uma escola assim deixaria de estar refém do Ministério e dos achaques dos seus inquilinos, que passaria a regular, coadjuvar, fiscalizar. Uma escola assim daria aos professores novas responsabilidades e riscos (acabando o emprego seguro para a vida), mas também a liberdade criadora e a legítima autoridade. Uma escola assim estaria dependente da escolha dos pais, dando-lhes poder, mas exigindo-lhes outra entrega, outra responsabilidade. Uma escola assim exigiria de todos o assumir de um contrato, com direitos e deveres.
Mas quem quer esta liberdade e consequente responsabilidade?
Ângelo Ferreira
Publicado no jornal Região de Águeda de 2/04/2009
1 comentário:
Concordo com a generalidade do seu "post" mas, acrescentaria à sua pergunta final um outro termo: Quem é que está preparado para receber essa responsabilidade?
Faço esta pergunta porque sabemos que esse modelo depende da seriedade dos seus intervenientes pois muito facilmente (nomeadamente na contratação directa de professores, que concordo na generalidade) se abrem situações de cunhas e favores pessoais.
Analisemos por exemplo o caso das actividades de enriquecimento curricular (vulgares AEC's) onde a contracção de pessoal docente está ao encardo das autarquias e todos sabemos (pelo menos alguém que, como eu, já teve algum contacto com essa realidade) que a selecção dos candidatos deixa, em muitos dos casos, muito a desejar. Os candidatos não são seleccionados pelas suas reais competências (conheço casos em que essas aulas são dadas por licenciados em sociologia ou direito, por exemplo) mas sim pela "proximidade com a autarquia". Ora, se isto acontece numa realidade relativamente pequena como é o caso das AEC's o que aconteceria num caso de real independência escolar?
Penso que esta situação só pode ser contrabalançada por regulamentação e fiscalização efectiva por parte do Estado sobre esses concursos. Penso mesmo que a colocação de qualquer pessoal docente numa escola deveria ser feito informaticamente (um pouco como é feito o actual processo de colocação de professores) tentando anular ao máximo esses "factores menos objectivos"
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