quinta-feira, 9 de abril de 2009

Propostas para Discussão Pública sobre a Política do Medicamento

Desde à muito tempo (vários anos eu diria), que os doentes, e em particular os mais idosos, têm tido grandes dificuldades quando tentam adquirir a medicação que é tão necessária à sua saúde e sobrevivência. Este facto não acontece somente em Portugal, e isso já confirmei eu, depois de trabalhar em vários países como clínico. O grupo empresarial ANF (Associação Nacional de Farmácias) só agora parece despertar para este facto (talvez porque só agora tem o controlo sobre o negócio dos genéricos) e então começou um combate a favor dos genéricos lançando uma campanha mediática de marketing com a ajuda de uma consultora de imagem. Lembro também que a ANF teve a oportunidade recentemente de iniciar esta discussão na mesa das negociações com o Ministério, mas não o fez. Eu, e certamente todos nós perguntamos: porque será? Relembro também, que qualquer das Ordens profissionais de saúde existentes têm no seu Código Deontológico várias referências ao superior interesse, saúde e bem-estar do doente. Nos Códigos decorre que o dever de um profissional de saúde durante a sua actividade é o de pôr o bem dos indivíduos à frente dos seus interesses pessoais ou comerciais e promover o direito das pessoas a terem acesso a um tratamento com qualidade, eficácia e segurança.

Bem, eu fiquei na esperança de ver aqui abordada esta questão da política do medicamento, que espero que não seja esquecida pelo MEP. Após pesquisar as propostas e argumentos dos vários intervenientes na política do medicamento (ANF, Ordens dos Médicos, dos Médicos Dentistas e dos Farmacêuticos), decidi pois avançar com algumas propostas que poderão servir de base para uma nova Política do Medicamento. Estas propostas foram delineadas tendo sempre em consideração a saúde pública e individual e ainda o superior interesse dos doentes, factores que penso serem indissociáveis numa sociedade que se quer mais saudável e solidária:

1. Dar autorização aos hospitais, centros de saúde e unidades de saúde familiar para fornecerem medicamentos aos doentes em ambulatório a custos e qualidade controlados.

2. Os médicos, como aliás decorre do seu Código Deontológico, devem sempre prescrever o medicamento mais barato que assegure iguais condições de eficácia e de segurança.

3. Colocar como obrigatoriedade no acto médico a prescrição baseada na DCI (Denominação Comum Internacional). No caso do genérico pôr em risco a saúde ou o bem-estar ou saúde do doente, o médico deverá também colocar a Marca do medicamento mais barato que quer ver dispensada. Deverá ser também obrigatória na prescrição: a colocação da dosagem (nº de comprimidos, ampolas, etc) específica a disponibilizar que seja suficiente e mais apropriada para aquele tratamento específico, e também o contacto telefónico do médico, por forma a que o farmacêutico e/ou o doente possa se informar junto do médico sempre que o doente tenha dúvidas sobre a medicação e/ou não tenha os meios financeiros necessários para adquirir a medicação.

4. Implementar a obrigatoriedade da farmácia/farmacêutico em fornecer a dosagem personalizada (Unidose) a cada doente conforme vem descrito na prescrição médica, de forma a evitar o desperdício em medicação e a reduzir o preço final do medicamento.

5. Revogar a lei do direito de instalação e propriedade das farmácias, permitindo que milhares de farmacêuticos consigam aceder à sua posse, por forma a quebrar monopólios e assegurar a livre concorrência no sector da farmácia.

6. Assegurar que existe no mercado uma livre concorrência no sector da distribuição de produtos farmacêuticos através de uma mais interveniente acção da Autoridade para a Concorrência.

7. O INFARMED deve obrigatoriamente disponibilizar aos cidadãos em geral (doente, farmacêutico e médico) toda e qualquer informação relativa à farmacovigilância, biodisponibilidade-bioequivalência , contra-indicações, efeitos secundários versus eficácia, de todos os produtos com fins terapêuticos; isto deverá ser concretizado da forma mais clara e objectiva possível. Esta acção poderá ser efectuada através do seu website. O INFARMED deverá também manter uma linha de contacto com os cidadãos por forma a manter um canal de comunicação com vista a informar os doentes sobre os vários produtos terapêuticos que existem no mercado.

Fica em aberto a discussão destas e de outras propostas...

2 comentários:

Rui MCB disse...

Parecem-me excelentes propostas, ao cuidado do MEP.

Pedro Pinheiro disse...

Como futuro membro da classe farmacêutica tenho alguns reparos a fazer.

Começando logo pelo ponto 1, uma autorização desse género vai contra as mais básicas leis da concorrência! (alias, a instalação das farmácias hospitalares, um pouco na via da sua proposta são uma realidade e também ela claramente ilegal).

Relativamente aos pontos 2 e 3. Concordo que a prescrição por DCI deve ser obrigatória (o actual governo assumiu esse compromisso no seu programa eleitoral) competindo ao médico e farmacêutico aconselhar o paciente sobre as melhores escolhas. Se um médico acha que um genérico coloca em risco a saúde do doente tem de avisar o INFARMED pois é esse organismo que garante (através de processos de controlo de qualidade independente da "marca" do medicamento) a segurança e bioequivalência do medicamento. Não acho que um médico no decorrer da sua prática quotidiana tenha conhecimentos científicos para fazer essa análise, o que tem é o dever (tal como outro profissional de saúde) de alertar o INFARMED para essa situação.

Quanto ao ponto 4, de total acordo. Fazendo a ressalva que tem de ser garantido que a dose de medicamentos levados pelo utente são do mesmo lote (para garantir que todas as unidades do medicamento são iguais)

Quanto aos pontos 5, 6 e 7 totalmente de acordo.

Às medidas que propõe eu acrescentaria umas outras mais relacionadas com o funcionamento das farmácias e dispensa de medicamentos:

1- Proibição da existência de outro profissional que não farmacêuticos ou técnicos de farmácia no atendimento aos doentes (os vulgares "ajudantes de farmácia" que muitas vezes dispensam MSRM ilegalmente) em todos os locais de dispensa de medicamentos (sejam farmácias ou parafarmácias)
2- Obrigatoriedade da Direcção Técnica das parafarmácias estar ao encargo de um farmacêutico.
3- Inspecção regular e séria para garantir que a lei seja comprida não podendo haver casos (que todos nós presenciamos) de pessoal não qualificado a despender medicamentos (com todos os riscos para a saúde do doente que daí advêm).

Em geral, bom "post". É importante que um novo movimento político tenha a saúde como uma área fundamental e que haja perante esta livre de interesses, tendo em vista o utente e baseando-se nas melhores posições científicas. Parabéns por levantar a discussão