terça-feira, 7 de abril de 2009

Incoerência política?

Num artigo de opinião no DN, sob o título “José Sócrates, o Cristo da Política Portuguesa”, o jornalista João Miguel Tavares critica o primeiro-ministro, naquilo que tem sido a sua postura de auto-vitimização face às supostas “campanhas negras”, a tentativa de aparecer, aos olhos do congresso do PS, como o defensor da “decência na nossa vida democrática”, e, ao mesmo tempo, a pressão que tem feito sobre a Comunicação Social.

Entre as referências que terão desagradado ao primeiro-ministro, e que o levaram a processar criminalmente o autor do texto, está a referência à frase de abertura do texto: «Ver José Sócrates apelar à moral na política é tão convincente quanto a defesa da monogamia por parte de Cicciolina».

Como diz o jornalista, Sócrates não aparece culpado aos olhos da Justiça por nenhum dos casos em que foi citado (obtenção da licenciatura na extinta Universidade Independente, projectos de engenharia na Guarda, caso Freeport, apartamento comprado com elevado desconto e o confuso caso Cova da Beira). Assim, tem o direito à presunção de inocência. No entanto, do ponto de vista político, há muitos aspectos em torno destes casos que têm deixado no ar um cheiro a podre, nada contribuindo para o normal funcionamento da democracia e das instituições, nem para garantir uma sã imagem política do primeiro-ministro.

As pressões, mais ou menos explícitas, sobre os órgãos de comunicação social, as suspeitas de pressão sobre os magistrados do caso Freeport (pelo presidente do Eurojust, eventualmente a pedido do ministro da Justiça, eventualmente a pedido de Sócrates) ou os processos-crime que o primeiro-ministro instaurou sobre pessoas (este parece ser pelo menos o segundo, tendo o primeiro sido sobre o professor bloguista que divulgou informações sobre a sua licenciatura) não abonam em favor da tranquilidade necessária para o esclarecimento dos factos e para a realização da Justiça, nem a favor da imagem política de José Sócrates, que começa a ficar irremediavelmente manchada.

Bem sabemos quanto pode ser penoso e injusto o julgamento em praça pública, muito por causa da inoperância da nossa Justiça, que jaz na morosidade, nas aparentes promiscuidades entre figuras, nos trâmites burocráticos, nos buracos legislativos e no segredo de justiça, que vai sussurrando inconfessáveis fragilidades, semeando a a desconfiança sobre presumíveis inocentes e a descrença no regime. Porém, a queixa-crime de Sócrates contra o jornalista por causa de um artigo de opinião, por mais injusto que possa ser, revela-se um disparate político, algo inaudito, que não poderá deixar de ser visto como mais uma forma de pressão, apenas aumentando a desconfiança em torno da sua figura.

A propósito, não deixa de ser interessante o que o deputado José Sócrates disse, e bem, no Parlamento a Santana Lopes, então primeiro-ministro, sobre as pressões que teriam levado Marcelo Rebelo de Sousa a abandonar o comentário que fazia na RTP: «É o caso de um ministro do seu governo que fez uma pressão ilegítima junto de uma estação privada e que conduziu à eliminação de uma voz incómoda para o seu governo. O sr. primeiro-ministro desculpar-me-á, mas quero dizer-lhe com clareza: esse episódio é indigno de um governo democrático e é um episódio inaceitável. E é uma nódoa que o vai perseguir, porque é uma nódoa que não vai ser apagada facilmente, porque é uma nódoa que fez Portugal regressar aos tempos em que havia condicionamento da liberdade de expressão. E peço-lhe, sr. primeiro-ministro: que resista à tentação do controle da comunicação social. Não vá por aí, porque nós cá estaremos para evitar essas tentações.».

A presunção da inocência não evita o julgamento político, nomeadamente destas palavras, que agora se tornam difíceis de interpretar.

Afinal, em que é que ficamos?

Ângelo Ferreira

Publicado no jornal Diário de Aveiro de 7/04/2009

2 comentários:

Carlos Albuquerque disse...

"E é uma nódoa que o vai perseguir, porque é uma nódoa que não vai ser apagada facilmente, porque é uma nódoa que fez Portugal regressar aos tempos em que havia condicionamento da liberdade de expressão."

Excelente caracterização da atitude de José Sócrates de processar o autor de um artigo de opinião política!

HMMJ disse...

Eu gostava muito de saber qual a acusação que o Sr. Primeiro Ministro faz ao autor do artigo... de facto fico curioso se será por ter sido comparado a uma "actriz" ou por alguém ter tido a coragem louvável de com uma lucidez cirurgica desmontar o que tem sido a acção de algumas pessoas do PS...o que diga-se de passagem apenas enriquece a nossa Democracia.