quinta-feira, 16 de abril de 2009

Caras do passado?

Mário Soares, comentando a eventual recandidatura do presidente da Comissão Europeia, disse que Durão Barroso «é inteligente, mas é um rosto do passado». Além do ar condescendente e paternal, apelidando-o de “inteligente” e, assim, menorizando as suas qualidades, classificou-o de pertencente ao passado, o que não deixa de ser engraçado para alguém que aos 82 anos se recandidatou à Presidência da República.

Soares falou ao lado de Vital Moreira - outro jovem, que esteve como deputado na Assembleia Constituinte, logo após o 25 de Abril-, no final de uma sessão de apresentação do candidato do PS ao Parlamento Europeu.

Estas duas figuras do futuro, que nada têm que ver com o que aconteceu a Portugal nas últimas 3 décadas, consideraram, naquele momento, que Durão Barroso é coisa do passado e que o PS deveria ter candidato próprio. Posteriormente, Vital Moreira veio esclarecer, nomeadamente no seu blog “Causa Nossa, que, se o Partido Popular Europeu (PPE) tivesse maioria nas eleições europeias, e indigitasse Durão Barroso, ele votaria nele. Mas sublinhou também que, se essa maioria coubesse ao Partido Socialista Europeu (PSE), então tudo seria diferente e deveria ser este grupo a apresentar o seu candidato. Coisa de clubes, portanto.

Ora tudo isto é contraditório com o apoio já manifestado pelo PS e pelo governo português à reeleição do actual presidente da Comissão, ainda antes de saber os resultados das eleições europeias. Começa bem esta corrida, sem dúvida.

Não pretendo defender Durão Barroso - a quem nada me liga –, nem o método de eleição, que podia ser outro, mas é este. Porém, o importante é dizer, com relativa justiça, que Barroso tem feito um bom (não digo excepcional) trabalho como Presidente da Comissão Europeia, reconhecido por muitos líderes europeus, que já decidiram mostrar apoio à sua reeleição, como é o caso do primeiro-ministro britânico Gordon Brown. O desempenho da Comissão, por si coordenada, que não foi fácil de constituir dadas as dificuldades criadas, tem sido avaliado como positivo. Não me pronuncio sobre as suas ideias, sobre as suas posições quanto à invasão do Iraque ou sobre o facto de ter deixado o governo para ir para Bruxelas, porque não é isso que está em causa no que concerne ao seu desempenho como Presidente da Comissão. Embora necessária, melhor liderança do projecto europeu não é fácil, o que decorre da própria identidade europeia, que resulta de uma união de países com legítimas diferenças e interesses, por vezes nada fáceis de articular. Não estamos nos EUA, para que surja o tão desejado Obama europeu, e isso não depende apenas de Barroso.

Mas o pior de tudo é que não se vislumbra outro candidato, pelo que não há sequer termo de comparação. Não se vislumbra o tal “special one” que Vital e Soares prefeririam (talvez qualquer outro servisse), nem isso é assunto na maioria dos países europeus. Em Portugal é que há esta pequenez (táctica) que não consegue escapar a ódios políticos internos e os transporta para a cena política internacional, mesmo que com grave prejuízo dos nossos interesses. Ingénuo ou nacionalista? Nem uma coisa nem outra. Alguém acredita que outro país europeu desvalorize a importância de ter um nacional como Presidente da Comissão?

A ideia que fica, desta confusão toda, com o governo e o PS a apoiarem antecipadamente Barroso e o seu cabeça de lista às europeias a transpirar outros desejos, é a de que o PS meteu dois cavalos a correr, chutando para a frente, a ver o que dão as eleições europeias. Se ganhar o PPE, o PS apoia Barroso. Se ganhar o PSE, o PS apoiará outro qualquer. Por enquanto, durante a campanha para as eleições europeias, não se prejudica por não apoiar Barroso, nem deixa de lado aqueles que sonham em correr com ele da Comissão.

Tácticas do passado?

Ângelo Ferreira

Crónica "Rio Acima" no jornal Região de Águeda de 16/04/2009

6 comentários:

Rui MCB disse...

Tu és mau, em bom quero eu dizer :-)
Excelente análise!

João Pedro Dias disse...

Excelente análise. Chama-se a isto jogar em dois tabuleiros. Em jargão politiquês acho que há quem lhe chame pragmatismo. Cumps. João Pedro Dias

Ângelo Ferreira disse...

Obrigado Rui, obrigado João Pedro Dias. Bondade vossa.

Celina Rodrigues disse...

Excelente!

José da Costa Ramos disse...

Parabéns pela excelente análise política. :)
Um abraço

Henrique Joaquim disse...

Ponham-me este Senhor a fazer análise política na TV. Estou farto dos que dizendo mais do mesmo não dizem nada. Um mt obrigado de um cidadão que acredita que é assim que poderemos fazer política de outra forma. Parabéns.