Recebemos todos os dias sinais de um futuro preocupante. Empresas com a produção a parar, sem vender. Empresas a despedir, empresas a falir, comércios a fechar. Muitas pessoas a perder os meios de sustento, muitas famílias a ficar sem recursos, até mesmo sem o pão de cada dia.
A situação que se vive é grave, dependendo também de problemas internos, não conjunturais, não sendo, por isso, apenas consequência da crise internacional. É pouco produtivo, em termos de futuro, escondermos as nossas debilidades atrás da cortina de fumo, muito espessa, da fogueira económica e financeira mundial, que muitos procuram usar para deixar arder, em lume brando, as ainda muito frágeis conquistas de democracia e de liberdade.
Há nas dificuldades que vivemos uma mensagem clara que aponta para a necessidade de melhorarmos muito o nosso desempenho como povo, como país. Isso passará por produzirmos mais e melhor, inovando, criando riqueza. Passará por gastarmos com mais parcimónia, ao nível do que produzimos, poupando. Passará por ter um Estado mais forte nas suas funções primordiais, desde logo a de garantir uma Justiça que funcione, criando um ambiente de confiança nas instituições da democracia. Passará, seguramente, por ter um Estado que garante o acesso de todos a uma Educação de qualidade, diversificada e exigente, determinante para a construção do nosso futuro. Passará certamente por um comportamento mais ético de todos, seja no Estado, na política ou na vida das empresas. Passará pela nossa capacidade de estender solidariamente os braços, apoiando aqueles que de repente se vêem em situação de grande dificuldade, quer através do Estado, quer através da iniciativa da sociedade civil, de cada um de nós. Não passará por mais intervencionismo do Estado na sociedade, num país onde o seu peso já é asfixiante, onde ele acorre a salvar certos interesses (e porque não outros?), onde a burocracia é extenuante, onde a promiscuidade entre política e negócios é escandalosa, onde a corrupção é enorme, embora nada disto exista (formalmente). A ganância política de alguns, que ainda não perderam o sonho das economias comandadas e sonham em “mandar”, é muito perigosa.
Numa altura de graves dificuldades económicas, que afectarão uma crescente percentagem de portugueses, devemos, é certo, dar prioridade ao apoio àqueles que menos têm e que viverão momentos de grande aflição, nomeadamente os que estão a cair no desemprego. É aí que o Estado deve centrar a sua intervenção assistencialista, numa fase imediata, mas sempre mantendo em perspectiva quer as mudanças estruturais necessárias, com coragem, quer a integração dessas pessoas na vida activa, para que a ajuda as liberte em vez de as tornar dependentes.
No entanto, o apoio aos mais necessitados não pode ser exclusivamente exigido ao Estado – a solidariedade é uma responsabilidade de todos nós. E, mesmo aquele que o Estado presta, pode ser concedido em articulação com as instituições de solidariedade da sociedade civil, que estão mais próximas das comunidades, das pessoas e dos seus contextos reais.
A pobreza galopante que bate à nossa porta exige respostas eficientes, articulação e trabalho em rede, cujas malhas deverão ser suficientemente apertadas para não deixar ninguém para trás, nem desperdiçar esforços e recursos. Nunca como agora foi tão determinante a cooperação entre as diversas organizações que prestam auxílio aos mais necessitados. Aqui o poder autárquico podia fazer muito mais, liderando a concertação e a cooperação. Mas se não forem as autarquias, que sejam as próprias instituições a organizar-se. Para tal, é preciso prescindir da “lógica de capelinha”, cooperando para “mapear” a pobreza e os sinais de exclusão, para identificar os recursos e as competências disponíveis, para resolver os problemas.
Para que esta tarefa de todos tenha os resultados desejados, as instituições de solidariedade, que são quem melhor conhece os problemas sociais, deverão também articular-se com os organismos públicos (centrais e locais), com as empresas e o comércio. Os problemas são multidimensionais, pelo que exigem soluções integradas, que recorram a uma partilha de recursos e competências. Pode ser necessário dar guarida a uma pessoa que ficou sem abrigo, matar-lhe a fome, acompanhar a situação escolar dos filhos, tratar uma doença física ou psicológica, ajudá-la a encontrar emprego, possibilitar-lhe uma formação adequada, e por aí adiante, numa complexidade que nenhum texto explica. Também pode acontecer que algumas pessoas estejam a ser duplamente apoiadas, enquanto outras, por desconhecimento ou por vergonha, se mantenham prisioneiras de uma pobreza silenciosa. A partilha de conhecimento, de boas práticas, de inovação, de técnicos e de recursos, pelo menos ao nível concelhio, permitirá servir melhor e poupar muito dinheiro.
Se a solidariedade é uma urgente ponta da meada, convirá não perder a outra: criar riqueza, criar emprego, fomentar o desenvolvimento, sair da crise.
Ângelo Ferreira
Publicado no jornal Diário de Aveiro de 11/02/2009
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