A nossa sociedade está claramente enferma. Uma das principais doenças que nos afectam é o medo.
Medo do desemprego, medo pela situação económica frágil das famílias, medo pelo futuro dos filhos, dos idosos. Mas pior de tudo é o medo da verdade e da diferença de opinião. À conta desse medo vem o medo de dizer o que se pensa livremente, o medo de arriscar, o medo de se ser penalizado por pensar diferente, o medo de se envolver, o medo de agir. E isto porque há quem use o medo como arma, para fazer valer o seu poder, para o garantir.
O nosso medo talvez tenha raízes históricas, num país onde a sociedade civil nunca foi muito forte e o Estado, com nuances e diferentes “donos”, foi sempre soberano. Os portugueses foram “levados” a comportar-se como súbditos e é um pouco nessa condição que permanecem.
A nossa democracia, instaurada com o 25 de Abril de 1974, parecia, depois de um Outono primaveril, ter sido uma vitória da liberdade contra o medo, e assim grandes e legítimas expectativas foram alimentadas. Porém, a forma como muitos se foram sentando nas cadeiras do regime, usando a liberdade em seu benefício próprio, apoderando-se do poder para favorecimento excessivo das suas ideias de si próprios ou dos seus correligionários, nomeadamente na política, no Estado, mas também nas empresas e noutros sectores da sociedade, traduz bem o degenerar dos valores afirmados com a democracia.
Quando um chefe, assim como um pai, não tem autoridade moral ou decorrente da competência, manda com base no medo, na ameaça, ainda que velada, e nos esquemas de conivência. E quanto mais subtil ou encapotado é o uso desse perverso instrumento, maior é a sua eficácia, por não ser fácil desmascará-lo, combatê-lo. A política do medo, posta em prática de forma aberta, mostra o rosto do adversário, tornando mais fácil o seu combate.
São cada vez mais flagrantes as atitudes de promiscuidade que ligam cumplicidades, assim como aquelas que estendem o medo aos vários sectores da nossa vida privada e pública. Se há casos que devem ser escrutinados pela justiça – coisa que também não anda saudável -, outros há que só se combatem, pela sua “subtileza”, ainda que escancarada, com uma nova atitude dos cidadãos. Há que enfrentar o medo, sem medo. No fundo, é preciso ser livre para se preservar a liberdade. Redundante e simples? Não, complexo e difícil.
Todos teremos alguma vez convivido com um ambiente assim, que nos diz “se não estás connosco, estás contra nós”.
Não é apenas uma directora-regional da Educação que não admite piadas sobre o primeiro-ministro, um director de um centro de saúde que não admite a afixação de declarações de um ministro da Saúde que pretensamente o ridicularizavam ou, entre tantas outras formas de pressão camufladas, a mais recente decisão de uma procuradora-adjunta, que manda retirar uma sátira ao Magalhães do carnaval de Torres Vedras, sem se perceber o verdadeiro fundamento.
É o país do respeitinho, mas com pouco respeito pelas pessoas, pelo outro, pela opinião diferente, também visível, de forma exuberante, na linguagem acintosa de alguns deputados e membros do governo na Assembleia da República. É um ministro que, sendo professor universitário, portanto, educador, diz que gosta de “malhar” na direita. É um primeiro-ministro que, envolto em suspeições públicas – que devemos desejar infundadas -, levanta a mão para acusar poderes ocultos de “campanhas negras”, sugerindo a facilidade de sujeição do sistema judicial, e logo o mesmo ministro que diz à televisão que esse é um termo “técnico” da política.
E é assim, neste ambiente de desconfiança generalizada, suposta corrupção, suspeita inimputabilidade, e de ofensa gratuita – uma ponta do iceberg -, que se afastam as pessoas “normais” da política, da vida pública, da acção em prol do bem comum, da discordância geradora de ideias, de inovação e de opções para escolha livre.
Numa altura de crise, em que o temor pelas condições económicas de cada um se agrava, o medo tende a ganhar terreno. Se a instrumentalização da liberdade (e do medo) não é exclusiva de um só partido, de um só grupo, também a solução não passará por nenhum em particular, mas antes pelo envolvimento de todos na construção de partidos melhores, de empresas melhores, de um Estado melhor, de instituições melhores, de uma sociedade civil mais forte e exigente.
Este é o momento que exige empenho e entrega de todos. Este é o momento para sair do sofá. As possibilidades são inúmeras. Se não souber como, escreva-me, que eu tenho pelo menos uma sugestão. Podemos discordar, mas isso é natural.
Ângelo Ferreira
Publicado no jornal Diário de Aveiro de 24/02/2009
2 comentários:
Já repararam bem nos jornais e telejornais? São as emissoras do medo em estado puro! Desde a crise (da qual só mostram os efeitos e não as causas), passando por acidentes, atentados, assaltos, guerras, competições, corrupção maus governos, acabando no futebol e por vezes um panda que nasceu num jardim zoologico do outro lado do planeta. Não se notícia o que corre bem? O que é motivador? O que é positivo? Depois de ler um jornal ou de ver um telejornal com uma mistura destas, que sentimentos é que ficam? O que é a realidade? É o que vemos, ou é o que nos dão a ver?
Vivemos em clima de medo – concordo!
A comunicação social torna notícia – de propósito não digo «noticia» - apenas aquilo que é contraproducente, ou, pelo menos, que é capaz de cativar a atenção pela negativa. Pergunta-se: onde está o «valor notícia»? Onde encontrar uma linha editorial séria e isenta capaz de «dar à luz» aquelas notícias que o são por natureza?
Claro que é mais fácil fazer alarido de crimes, violências e outras pestilências, do que procurar informar com isenção sobre, por exemplo, o que cada qual pode fazer para aliviar este estado de crise…
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