O Presidente da República angolano, José Eduardo dos Santos, inicia hoje uma visita oficial a Portugal, a convite de Cavaco Silva. A visita faz-se numa altura em que as relações económicas e políticas entre Angola e Portugal parecem estar no bom caminho, deixando para trás dezenas de anos de vários desencontros.
As mudanças políticas (e de abertura económica) verificadas em Angola, sobretudo depois do fim da guerra civil, mostram que, apesar de nem tudo, naturalmente, ser perfeito (nem lá, nem cá), aquele país da CPLP tem dado importantes passos no sentido da estabilização e maturidade política, com sinais evidentes de democratização e edificação de um Estado de Direito.
O investimento português em Angola tem crescido a olhos vistos nos últimos anos, da mesma forma que tem sido evidente um aumento dos dinheiros angolanos aplicados em Portugal, especialmente no último ano. Seria conveniente uma diversificação das áreas de investimento, que tem ficado pela banca, finanças e petróleos, mas o caminho faz-se caminhando.
As exportações para Angola têm vindo a crescer exponencialmente, atingindo os 6 milhões de euros por dia, especialmente nos sectores da construção, máquinas e agro-alimentar, tendo-se tornado no maior destino para os nossos produtos fora da União Europeia. Este crescimento contribuiu e muito para diminuir o impacto da diminuição das nossas exportações em virtude da crise internacional. Também nesta matéria seria interessante ver o crescimento e diversificação das importações de produtos angolanos.
Ontem mesmo surgia na comunicação social a notícia da constituição de um novo banco de investimento, com mil milhões de dólares de capital inicial, resultado de uma operação conjunta entre a Caixa Geral de Depósitos e a Sonangol, revelando mais um sinal de aproximação entre os dois países e de uma estratégia comum de desenvolvimento.
Todos nós conhecemos alguém que nos últimos tempos decidiu fazer as malas e viajar rumo a Angola para trabalhar. À semelhança de quase cem mil portugueses, aqui há umas semanas atrás, o Presidente da Junta de Freguesia onde residem os meus pais (Aguada de Baixo, no Concelho de Águeda) dava exemplo desta tendência, comunicando publicamente a decisão abdicar das suas responsabilidades na Junta para rumar àquelas paragens – sinal da crise, mas também de um aumento das oportunidades de trabalho num dos países africanos com maior crescimento económico.
O clima de abertura económica e comercial, a crescente maturidade das instituições e da vida democrática em Angola, uma maior (e mais arejada) consciência dos portugueses sobre a realidade angolana e as suas potencialidades e o fortalecimento das relações diplomáticas entre os dois Estados vêm criar igualmente condições para o desenvolvimento de parcerias ao nível sócio-cultural.
No quadro de aproximação entre os dois países parece fazer cada vez mais sentido a realização de eventos que promovam um maior conhecimento mútuo dos povos e da sua cultura, numa perspectiva de construção de um futuro que fortaleça o quadro de amizade desenhado na Comunidade de Povos de Língua Portuguesa. Creio que não estarei a exagerar se disser que têm sido muito pobres as iniciativas de ambos os Estados neste domínio.
Também neste contexto parece emergir um enorme leque de possibilidades ao nível do sector da educação. No domínio da cooperação para o desenvolvimento, o governo português disponibilizou-se a enviar brevemente, a suas expensas, cerca de duzentos professores de língua portuguesa para Angola, o que deve ser encarado como muito positivo. Os números só pecam por escassos – dadas a necessidade e a quantidade de professores desempregados - e por revelarem um enquadramento habitual, que não vai além do pobre conceito de “ajuda”. A colocação de professores de português em Angola poderia ser vista pelo governo angolano como estratégica, podendo investir nisso os seus próprios recursos financeiros, reforçando muito decisivamente o alcance de tal medida.
Da mesma forma, muito mais se poderia fazer, nomeadamente ao nível do ensino superior, fortalecendo parceiras com as universidades portuguesas, especialmente agora que Angola decidiu criar várias universidades públicas.
Valeria também a pena olhar para uma legislação excessivamente restritiva, ultrapassada, que nada favorece a vinda de estudantes da CPLP para fazerem as suas licenciaturas nas universidades portuguesas. Apenas podem aceder às universidades portuguesas os estudantes dos PALOP que tenham feito cá o ensino secundário e se candidatem no concurso nacional anual (com os seus colegas portugueses) e aqueles que, tendo garantido uma bolsa de estudo do seu Estado, do Estado português ou da Fundação Calouste Gulbenkian, se candidatem, por via diplomática, dirigindo-se ao Director-geral do Ensino Superior. Por que não podem vir aqueles alunos que, tendo meios próprios para tal ou um apoio diverso dos referidos, podem pagar os seus estudos numa universidade portuguesa? E por que razão não podem as universidades dispor da sua autonomia para os seleccionar como bem entender, à semelhança do que fazem as universidades inglesas ou americanas?
Saibam os dois países criar condições que o tornem apetecível, como seja desde logo a fundamental facilitação de vistos, que muitos mais portugueses, nomeadamente quadros superiores que cá não encontram oportunidades de futuro, quererão fazer vida em Angola.
Se há os que preferem, especialmente do lado de cá, apontar as dificuldades e os problemas do regime angolano e outros que militam, especialmente do lado de lá, a alimentar os fantasmas do passado colonial, outros há que escolhem olhar para o melhor de um passado comum (nomeadamente a partilha da língua) e para as oportunidades existentes, ancorando nelas uma visão de futuro com ganhos para ambos os povos.
Publicado no jornal Diário de Aveiro de 10/03/2009
1. Este texto representa a minha opinião pessoal, que em nada se desencontra da posição oficial do MEP tornada pública.
2. Devo sublinhar que, para mim, a defesa dos Direitos Humanos deve estar sempre acima dos interesses económicos - não sou grande adepto da "real politik económica". No entanto, devo dizer que a questão angolana deve ser analisada no contexto geográfico de África, não para desvalorizar os problemas existentes - que também não podem ser afirmados de ânimo leve -, mas antes para perceber a evolução positiva que tem existido e que merece apoio. Em África, Angola tem mudado no bom sentido e pode representar um país charneira de mudanças e melhorias daquele continente. Talvez seja mesmo um dos países que mais e melhor tem mudado, trilhando um caminho para a democracia e liberdade. Por outro lado, entendo que a abertura económica e o estabelecimento de parcerias com Portugal e com instituições portuguesas, nas mais diversas áreas (como a educação e a cultura), será um contributo para uma mudança positiva na sociedade angolana, o que parece ser pretendido pelas autoridades dos dois países. Ou será preferível deixar as relações de Angola crescerem apenas com países como a China? Não podemos esquecer que Portugal tem responsabilidades no seio da CPLP, onde está Angola, e isso passa por estabelecer e aprofundar relações - não vejo outro caminho, ou então cede-se à hipocrisia. Acredito que as melhorias traduzem um sentido de reforma que deve ser apoiado e reforçado, aí cabendo a necessária pressão em matéria de direitos humanos e respeito pela edificação de um Estado de Direito, sem no entanto ceder a acusações fáceis e a gestos demagógicos que prejudiquem, em vez de apoiar, as mudanças pretendidas. Acredito também, e muito, que a abertura económica, se for acompanhada de cooperação honesta noutras vertentes, promoverá alterações inevitáveis no domínio dos direitos e da justiça. Saibamos defendê-la, exigi-la, e fazê-la.
3. Ainda hoje falei com algumas pessoas (entre as quais alguns empresários) que têm visitado Angola e que sublinham a importância de um posicionamento português naquele país (não apenas no domínio da economia), reforçando a ideia de que podemos dar um contributo decisivo para as mudanças - que reportam de significativas - que se vão fazendo sentir.
4. Vale a pena sublinhar igualmente a crescente presença do Brasil em Angola e o aprofundamento da relações bilaterais entre os dois países.
5. Angola poderá ser uma das maiores, senão a maior, potência africana. É preciso contribuir para que isso se possa traduzir numa melhoria significativa da vida dos africanos. Portugal poderá (deverá) saber assumir um papel relevante, com benefícios mútuos.
6. Sublinho ainda uma preocupação: se vejo com bons olhos os investimentos de empresários angolanos em Portugal, já me preocupa a eventual aquisição de empresas portuguesas pelo Estado angolano, pois não entendo como muito positiva a iniciativa empresarial do Estado, seja ele qual for.
6 comentários:
Onde está o comunicado, cheguei a lê-lo, mas agora não o encontro?
Retiraram ou há algum problema técnico.
Penso que não voltaram atrás no que estava bem dito...
Houve um problema técnico no site e todas as alterações introduzidas hoje desapareceram "do ar". Logo que este problema esteja resolvido, voltará a conseguir ler o comunicado.
muito agradecido pela resposta...
Angelo: Com todo o respeito pela sua opinião, há um detalhe que me incomoa um pouco quando diz "(nem lá, nem cá" É claro que em Portugal há coisa que não correm bem(mesmo quanto a Direitos humanos), mas este tpo de comparações podem criar a sensação que no fundo é tudo mais ou menos a mesma coisa. E o que está mal cá é objectivamente muito menos grave a nível do respito pela dignidade da pessoa humana, do que aquilo que é grave lá.
Claro que não se pode cortar tds as relações comerciais com Angola (isso seria mau para o Povo Angolano e causaria mais sofrimento) mas há que denunciar com clareza a arbitariedade de um poder exercido de um modo muito diferente aquilo que o MEP defende. Há histórias bem ilucidativas...
Sejamos claros: Eduardo dos Santos nunca assinaria o Código de Ética do vosso partido...
Caro Mário Marques,
muito obrigado pelo seu comentário.
Primeiro que tudo, que é o mais importante: assumo que a forma como disse "nem lá, nem cá" é excessiva e relativiza demasiado a diferença entre as realidades. Procurarei ser mais rigoroso.
Dito isto, concordo consigo que as coisas são diferentes, claro. Mas, do ponto de vista político, e do que é necessário para o avanço de grandes mudanças, vale mais fortalecer a amizade, os aspectos positivos, ver novas portas que se rasgam no horizonte, ver acima da linha de água, acima dos "eduardos" - ainda que sem ser hipócrita e fraco, naturalmente - do que voltar as costas, insistir em sublinhar os aspectos negativos. Não é porque não perceba o que está mal e não discorde profundamente do comportamento, eu diria, de alguns angolanos, para não ser abusivo e incluir gente boa no mesmo saco, é porque sei que, para ser eficaz, promovendo melhorias significativas para o povo angolano, o melhor é dar a mão a angola, num abraço que, atrás das questões económicas, do desenvolvimento local, da criação de órgãos de comunicação social mais fortes, de universidades, de escolas, da aprendizagem da língua (mais educação, mais ciência, melhor e mais profundo pensamento), da ida de portugueses, da vinda de angolanos, dos casamentos, das iniciativas culturais, etc, irá todo um novo movimento de paz, de abertura, de democratização. Acredito nisso. O José Eduardo dos Santos não me diz nada, assim como muitos outros.
Creio que o que se pede é um cenário que venha a permitir o reforço das exigências pelos direitos humanos, primeiro por parte dos angolanos e das instituições angolanas (e não esqueçamos que poderá ser, ao contrário do que se espera normalmente, pela via dos negócios, e do que eles podem levar atrás, que surgirá essa pressão) e depois pelos países amigos, pelas instituições internacionais.
Trata-se de trazer Angola para um campo de actuação diferente, para um novo patamar de desenvolvimento social, económico e político.
Cavaco Silva esteve bem ao perceber que há um momento, que parece estar a chegar, e há um timing que Portugal não pode perder e um sentido que não pode deixar de perceber.
Se o presidente angolano abre essa porta sobre Angola - com tudo o que ele próprio e o seu regime possam ter de errado, e que deve ser criticado, claro -, devemos ser capazes de entrar ao encontro dos angolanos. Saibamos contribuir para esse clima de desenvolvimento, também político.
Aquilo que me permite ser positivo é isto: o sentido tem sido o da melhoria.
Sublinho ainda que nada nos separa, a não ser, talvez, uma ligeira inclinação, que no meu caso vai a favor de, neste momento, sublinho, neste momento, achar que se deve sublinhar a oportunidade, que permitirá a construção de mais espaço para que os direitos humanos respirem.
Um abraço.
Boa tarde Angelo
também creio que no essencial estaremos de acordo.
E reconheço que nesta questão sou um pouco visceral... lmbro-me daquele casamento faustoso de uma das filhas de Eduardo dos Santos e de quantos nele participaram e a coisa faz-me uma comichão tão grande...
Lembro-me de algumas das situações a que aponta o vosso comunicado e...
mas reconheço a verdade do que diz e que o fortalecimento das relações económicas e políticas (se não esquece as exigeências dos Dtos humanos) podem trazer consigo uma maior responsabilização de Angola e dos seus políticos.
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