quinta-feira, 24 de julho de 2008

Quinta da fonte

Tenho acompanhado com alguma distância a questão que se levantou com o tiroteio entre a comunidade cigana e negra que coabita um bairro social de Loures. Têm surgido as contaminações ideológicas do costume e parecem-me, como quase sempre, exactamente isso: contaminações que relativizam e desviam do essencial.
Acabei de ler um artigo de fernanda câncio com quem partilho (de vez em quando acontece) a posição. Sem dispensar a leitura integral (convém mesmo ler o resto para não perder todo o contexto) permitam-me destacar o seguinte:

" (...) é intolerável, do ponto de vista de qualquer pessoa com sentido de justiça, seja de esquerda, direita ou do raio que a parta, que alguém que se esforça a trabalhar viva em piores condições que alguém que não o faz e recebe o rendimento social de inserção. e essa realidade é demasiado frequente para ser alegremente ignorada ou tratada como um mito urbano.

significa isso que as políticas sociais são erradas e devem ser anuladas, como parece propor rui ramos (e digo parece porque na verdade ele não se compromete com o propor seja o que for)? não, não e não. creio nas vantagens de um sistema redistributivo e os dados existentes há décadas no mundo inteiro demonstram que esse sistema funciona — e funciona com vantagem para a comunidade, além da vantagem oferecida aos beneficiários. tem perversões? tem, claro. é preciso olhar para elas de frente, aceitando que existem, e tentar diminui-las.

o assistencialismo que faz crianças intratáveis das pessoas crescidas, oferecendo-nos espectáculos como o das famílias ciganas da quinta da fonte ou o dos moradores em fúria do bairro do aleixo (porto) é um erro. e surge tanto mais como um erro quanto há todos os dias gente a ter de sair de casas compradas a preços histéricos por não conseguir pagar as prestações ao banco enquanto em bairros sociais há quem não pague a renda há mais de 10 anos ou venda a chave a um primo enquanto recebe o rsi, tem uma antena meo na janela, três telemóveis topo de gama e se queixa de não ter esquentador para dar banho quente às crianças (e não estou a inventar). não é admissível que isto se passe, e tem de ser possível encontrar respostas e soluções para isto. (...)"

1 comentário:

Ângelo Ferreira disse...

Excelente!
A Fernanda Câncio anda com muito tino ultimamente. Já é o segundo texto dela que me parece acertado e acertivo. Fora lá o de esquerda, de direita ou do raio que a parta, porque isso não é conversa que se tenha, mas compreende-se. Mais, se for para dizer que ser do raio que a parta é que faz mais sentido, nos tempos que correm, até compreendo e gosto da metáfora: do raio que a parta. Parta a clubite cega, ultrapassada, entenda-se.